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"O LIVRO DE JÓ"
Teatro da Vertigem emana fé que ergue catedrais
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
Existem duas maneiras de
ver "O Livro de Jó". A primeira é prestando atenção nos atores;
na imensa delicadeza com que
pronunciam cada frase do texto,
não o destruindo por excesso de
ênfase nem amenizando seu impacto.
Da crua fábula de Jó, que de
próspero se torna o mais miserável dos homens devido a uma
aposta entre Deus e o Diabo, talvez o que na Bíblia haja de mais
próximo da tragédia grega, Abreu
tirou um texto conciso e altamente poético, sempre elevado, sem
nunca se tornar hermético: clássico, como o melhor Racine.
Exige um grande domínio dos
atores, que saem consagrados do
desafio: do elenco original e atual
constam os mais bem preparados
atores da nova geração. Tendo ou
não chegado à fama, carregam o
carisma de terem se doado por inteiro à digna dor de Jó e de sua
mulher, dos amigos e narradores.
O mérito de Antônio Araújo
não é apenas o de ter situado a
ação em um hospital, com as referências imediatas à Aids que isso
acarreta, mas o de coordenar a cada apresentação uma dinâmica
precisa que envolve a música de
Laércio Resende -em grande
parte executada à capela por excelentes cantores-, a ambientação
cenográfica de Marcos Pedroso e
a caracterização de Fábio Namatame, criando imagens de enorme
impacto que atingem o âmago do
público.
A segunda forma de ver "Jó", assim, é observar o público, que perambula pelos corredores do hospital compungido e perplexo, não
raro desmaiando pelo cheiro do
éter e a cor do sangue, mas sempre respeitado em sua integridade. A cada estação desse auto medieval, no qual cada figura alegoriza nossa própria experiência da
dor do mundo, uma decisão tem
de ser tomada: abandonamos Jó
para testemunhar, na desativada
UTI infantil, a revolta de sua mulher que acaba de perder os filhos;
a deixamos com sua irreversível
perda de fé para acompanhar, na
sala de cirurgia, Jó reencontrar a
Deus, como Pascal, no auge do
desamparo.
Se "Apocalipse 1,11" implode
prisões, "O Livro de Jó" emana
uma fé que ergue catedrais, uma
fé que dialoga com os medos e
convicções de cada um sem se
amparar em dogmas autoritários;
a fé que tem a força de encarar a
sua contestação.
O Livro de Jó
De: Luís Alberto de Abreu
Direção: Antônio Araújo
Com: grupo Teatro da Vertigem
Onde: hospital Humberto Primo (al. Rio
Claro, 190, Bela Vista, tel. 283-1027)
Quando: sex. e sáb., às 21h; dom., às
20h; até 20/12
Quanto: R$ 25 (sex. e dom.) e R$ 30
(sáb.)
Patrocinador: Brasil Telecom
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