São Paulo, domingo, 13 de julho de 2008

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Crítica/"Caótica Ana"

Metáfora política estraga universo sedutor do diretor de "Lúcia e o Sexo"

Divulgação
Manuela Vellés e Nicolas Cazalé em cena de 'Caótica Ana'

BRUNO YUTAKA SAITO
DA REPORTAGEM LOCAL

O espanhol Julio Medem é um cineasta que gosta de falar sobre o tempo. "Vacas" (92), seu primeiro longa, já demonstrava como sua narrativa abraça ciclos que se repetem sem fim aparente. No seu recente "Caótica Ana", ele completa uma espécie de trilogia, não-declarada, habitada por mulheres perturbadas.
Enquanto "Os Amantes do Círculo Polar" (98) buscava abordar, na metáfora dos nomes palíndromos Otto e Ana, o fatalismo romântico e o amor predestinado, e "Lúcia e o Sexo" (01) via nos labirintos formados pelos buracos de uma ilha representações do sexo e da memória, "Caótica Ana" flerta com a morte, simbólica e física, e a dominação.
Ana (Manuela Vellés) é a jovem pintora que vive com o pai em uma caverna em Ibiza. O esquema hippie de vida será alterado quando uma mecenas (Charlotte Rampling) decide abrigá-la em um grupo de artistas em Madri. Ali ela viverá seu primeiro amor, ao conhecer o berbere Said (Nicolas Cazalé).
Até aí, estamos em território similar ao de "Lúcia e o Sexo": belas paisagens, uma protagonista estonteante e cenas de sexo sem pudor. Mas, Ana, como lembra o título, é caótica, e aí temos o conflito. Ela vai sofrer um surto que coincide com o desaparecimento de Said. Em seu lugar, entra em cena um hipnotizador, que a colocará em contato com o que se presume serem suas vidas passadas.
Medem, retoma, então, seu tema predileto. Em cada sessão Ana irá visualizar e incorporar jovens mulheres do passado que foram assassinadas por homens. Tudo será sempre igual, de trás para a frente, como o nome Ana (uma homenagem do diretor à sua irmã, morta em acidente de carro).

Metáforas
O grande conflito, no entanto, está na própria estrutura do filme, dividido entre o lírico e o militante. O "antigo" Medem vem "ensanduichado" entre uma abertura didática e o final escatológico que reforçam uma metáfora política óbvia. Para não tornar a questão ainda mais redundante, basta dizer que o diretor nos relembra que o falcão é um dos símbolos do imperialismo norte-americano e que, antes de os EUA serem uma potência, outros impérios estiveram no centro de guerras. A história do mundo se repete.
O que antes era fascinante e sedutor em Medem aqui se torna grave e auto-referente. A estética e o maneirismo gritam, tudo soa literal, quase como uma triste auto-paródia. E, se antes o bom gosto pautava o diretor, agora o grotesco busca chocar em duas cenas. Sinal de que a sutileza não tem mais força. E de que "Caótica Ana" é apenas um exercício falho que será seguido por novas (e esperadas) tentativas de reabilitação do diretor.


Avaliação: regular


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