|
Texto Anterior | Índice
Cinema / Comentário
Ciclo mostra filmes do russo Bauer, mestre esquecido do cinema mudo
AMIR LABAKI
ARTICULISTA DA FOLHA
A Segunda Jornada de Cinema Silencioso apresenta amanhã, com reprise no sábado, duas das principais obras recuperadas do período russo pré-revolucionário:
"Devaneios" e "Depois da Morte", ambos rodados em 1915 por
Evgenii Frantsevich Bauer
(1865-1917).
Os dois títulos voltaram à circulação em 1989, dentro da extraordinária retrospectiva
apresentada pela Giornata del
Cinema Muto de Pordenone,
Itália, a Cannes dos festivais de
cinema de arquivo.
No ciclo, a maior revelação
entre todas foi a da obra de
Bauer. Um dos genuínos gigantes do cinema mudo estivera
eclipsado, dentro do discurso
oficial de menosprezo à toda
produção fílmica na Rússia
pré-bolchevique.
Formado em arquitetura,
Bauer trabalhou como fotógrafo retratista e cenógrafo de teatro e de cinema antes de chegar
à direção. O exercício de ambos
os ofícios marcou profundamente seu estilo cinematográfico. Seus personagens movem-se com extrema economia a
partir de quadros minuciosamente compostos.
É nesse tabuleiro que desenvolvem-se as novelas psicológicas filmadas de forma minimalista por Bauer. Dos 86 títulos
que dirigiu, apenas um terço
sobreviveu até nós. "Devaneios" e "Depois da Morte" são
consensualmente consideradas suas duas obras-primas.
Homens frágeis e mulheres
fortes, obsessões e fetiches,
sonhos e fantasmas protagonizam ambos os filmes. "Devaneios" conta a história de um
viúvo inconsolado que projeta
o espectro de sua amada numa
atriz.
Já em "Depois da Morte", um
cientista solteirão que acaba de
perder a mãe se apaixona também por uma atriz. Num encontro proposto por ela, ele a
rechaça, levando-a ao suicídio.
A culpa e o arrependimento o
torturam sob a forma de visões
constantes do fantasma dela.
Bauer insufla rara vida a suas
narrativas trágicas ao acentuar
sua "estética da imobilidade",
na expressão do crítico russo
Yuri Tsivian, por meio de um
elaboradíssimo jogo de câmera.
Bauer é um caso ímpar na
história do cinema. Comparações com o sueco Victor Sjoström, pelo domínio pleno da
câmera, e com o posterior japonês Yasujiro Ozu, na sensibilidade pioneira para a tragicomédia da vida urbana, fazem
sentido, mas são francamente
insuficientes. Bauer é o grande
cronista romântico da Rússia
às vésperas da revolução.
DEVANEIOS/DEPOIS DA MORTE
Direção: Evgenii Bauer
Onde: Sala Cinemateca (lgo. Senador
Raul Cardoso, 207, tel. 5084-2177)
Quando: amanhã, às 19h; sáb., às
21h45
Classificação indicativa: livre
Avaliação: ótimo
Texto Anterior: Mostra reavalia importância de Taunay Índice
|