São Paulo, quarta-feira, 18 de junho de 2008

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Crítica/"Jardim Elétrico"

Em individual, grupo Chelpa Ferro deixa fluir o assombro dos sentidos

LIVIO TRAGTENBERG
ESPECIAL PARA A FOLHA

Uma das virtudes do grupo Chelpa Ferro é injetar poética na ação criativa. Isso não é pouco nos dias de hoje.
Oriundos das artes visuais, Barrão, Luiz Zerbini e Sergio Mekler deixam fluir o assombro dos sentidos, fazendo as coisas se mostrarem como elas são e, portanto, nos tocando poeticamente com sua materialidade. Como em "Conversando que a Gente se Entende", um papo entre luzes e sons, que faz parte da exposição "Jardim Elétrico", recém-aberta na galeria Vermelho -aliás, Beethoven escreveu que sua música "acontecia num solo elétrico".
Muito se fala hoje em dia na confluência das linguagens, interdisciplinariedade, blablablá; mas, na prática, são as velhas roupas do imperador, ainda azuis e desbotadas. Com o Chelpa Ferro, a ironia se transforma em mergulho no inconsciente e na fantasia da infância, quase como na série "Marinhas", composta a partir de um livro que ensina pintura, do tipo "faça você mesmo", de Walter Foster, espécie de almanaque do Instituto Universal Brasileiro da década de 1970.
Na melhor tradição de professor Pardal, de quem já pediu um curso desses por correspondência, ou transformou uma banca de revistas no seu museu, o Chelpa Ferro recolhe nos escombros da sociedade de consumo os fragmentos e vestígios de humanidade e sensibilidade. Seus compósitos-objetos interrogam nossos sentidos, que se vêem afrontados com uma constante interrupção: sons que vemos e cores que ouvimos, incompletudes.
Herdeiros de uma tradição que remonta aos dadaístas, aos futuristas e, no Brasil, ao inventor Walter Smetak, o grupo tira vantagem do fato de seus integrantes serem não-músicos. Assim, podem tratar o som com a liberdade que John Cage queria e explicitar situações simples nesse universo.
No entanto, estão longe da idéia das plásticas sonoras de Smetak, carregadas de fortes simbolismos. Não constroem instrumentos no sentido de mecanismos para serem tocados tradicionalmente. São, antes de mais nada, circuitos fechados, a serpente que engole a própria cauda, um feedback sonoro sem saída.
Quando se aproximam de mecanismos mais complexos, já longe de uma aproximação mais cientificista como a dos irmãos Baschet, revela-se a transparência como característica principal de sua operação. Em "Números", por exemplo, quatro caixas de som emitem uma voz cantada diferente, num contraponto informal em que cada nota é recitada como um número, como na "Four Note Opera", do minimalista Tom Johnson. No idioma do Chelpa Ferro, minimalismo tem a ver com mecanismo.
A chapante "Jungle Jam", composta por 30 motores que acionam sacos plásticos, passando do marcial ao batuque, no segundo andar, é certamente o ponto alto da exposição. Sacos plásticos se convertem em violinos disciplinados. Uma festa para quem não agüenta mais música, mas ama o som.
Quando estive na galeria, ainda antes da abertura, o grupo criava uma nova peça para o espaço embaixo da escada e lutava contra interferências de rádio FM: um corpo-a-corpo com o som imperdível.


LIVIO TRAGTENBERG é compositor e criador da Orquestra de Músicos das Ruas de São Paulo

CHELPA FERRO
Quando: de ter. a sex., das 10h às 19h; sáb., das 11h às 17h; até 5/7
Onde: galeria Vermelho (r. Minas Gerais, 350, tel. 3257-2033)
Quanto: entrada franca
Avaliação: ótimo


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