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Crítica/"Ariadne em Naxos"
Primeira montagem no Brasil acerta ao arriscar
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
A explosão virtual de fogos de artifício, no fim,
fazia pelo menos três
sentidos.
Por um lado, era a imagem
autoconscientemente irônica
do grande amor entre Ariadne
e Baco, não menos autoconsciente nem menos ironicamente transfigurados na caracterização da soprano Eiko Senda e
do tenor Marcello Vanucci, estrelas dessa nova montagem da
ópera "Ariadne em Naxos", de
Richard Strauss (1864-1949),
dirigida por André Heller-Lopes, com regência de José Maria Florêncio.
Por outro lado, realizava a fusão entre "real" e "virtual", na
coincidência entre o final da
história de Ariadne -a peça-dentro-da-peça, que constitui o
segundo ato da ópera- e a
anunciada queima de fogos
de artifício na festa do milionário vienense, que ordenou a
mistura de comédia e tragédia
numa peça só e exigiu que tudo
terminasse "em ponto" na hora
dos fogos.
Por outro lado ainda, involuntária, mas, nesse ponto da
nossa história, inevitavelmente, ecoava os fogos olímpicos
-tanto mais quando se lembra
que foi Strauss quem compôs
as marchas triunfais da Olimpíada de 1936, encomendada
não por um milionário vienense, mas por outro austríaco,
Adolf Hitler.
E isso não é apenas coincidência fortuita, porque na obra
de Strauss estão sempre se enovelando os fios da música, em
tramas que misturam as paixões humanas com as paixões
do mecenato e da política.
A montagem de Heller-Lopes é a primeira a ser vista na
cidade, 92 anos depois da estréia dessa versão da ópera,
parceria de Strauss com o libretista Hofmannsthal.
Começa com a orquestra de
câmara à vista, depois baixando
ao fosso, num dos tantos gestos
marcantes dessa produção que
explora com engenho a natureza metaliterária do libreto. Coxias e bastidores estão à vista o
tempo todo no "Prólogo", que
inclui participações "reais" da
equipe de produção.
Mas o "Prólogo", por direito,
é de Denise de Freitas, no papel
travestido do Compositor. A
meio-soprano passa a ser dona
dessa personagem, cantando
num registro que só favorece
seus timbres mais graves. Denise é uma das maiores cantoras e
maiores artistas do Brasil. Só
não foi mais ovacionada porque
a platéia não fazia idéia de que
não voltaria na segunda parte.
Quem voltou, com a mesma
espoleta teatral e vocal, foi a soprano Andrea Ferreira, que já
fizera um inesquecível par com
Denise em "João e Maria"
(2002) e agora brilha, sensual e
cômica, na marlenedietrichizada Zerbineta.
"Ariadne em Naxos" exige
um elenco numeroso. Entre os
destaques, não dá para não
mencionar Leonardo Neiva
(Professor), as ninfas Adriana
Clis, Gabriella Pace e Edna d'Oliveira, Caio Ferraz, como Mordomo, aplaudido em cena aberta (por um papel falado!), e o
Arlequim modernista de Homero Velho, ícone dos comediantes trágicos no anti-Olimpo de Strauss.
Correndo pelos salões da
mansão clássica, o fio de Ariadne é verde fosforescente. Serve
de símbolo -impactante, simples, arrojado e bem-humorado- dessa montagem que arrisca tanto, mistura tanto, e em
que afinal tudo dá olimpicamente certo.
ARIADNE EM NAXOS
Quando: hoje e dias 21 e 23, às
20h30
Onde: Teatro Municipal (pça. Ramos de Azevedo, s/nº, SP, tel. 0/
xx/11/3222-8698)
Classificação indicativa: não recomendado para menores de 5 anos
Quanto: de R$ 10 a R$ 40
Avaliação: ótimo
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