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26ª MOSTRA INTERNACIONAL DE CINEMA DE SP
O espanhol Fernando Trueba fala de "El Embrujo de Shangai", seu mais novo filme, que revive a Barcelona dos anos 40 pelo olhar de dois adolescentes cujos pais desapareceram na guerra
Desilução espanhola
SYLVIA COLOMBO
EDITORA-ADJUNTA DA ILUSTRADA
Xangai é uma paisagem em preto-e-branco. As mulheres vestem-se à moda oriental -mas falam
espanhol- e são perigosamente
cortejadas por ex-agentes nazistas
disfarçados de milionários.
Xangai é assim, pelo menos na
imaginação de Dani e Susana,
dois desolados adolescentes espanhóis que vivem na Barcelona de
1948, cidade que tenta se reerguer
depois dos anos de desgaste da
Guerra Civil Espanhola (1936-1939). Ambos protagonizam "El
Embrujo de Xangai" (O Feitiço de
Xangai), o mais recente filme do
espanhol Fernando Trueba, 47.
O pai de Dani morreu no conflito. O pai de Susana, anarquista,
fugiu para a França. Depois, ela
acredita, ele teria ido a Xangai para uma perigosa missão secreta. O
certo é que nunca mais voltou.
Imaginar as aventuras deles e de
outros heróis perdidos na guerra
é a única coisa que dá razão à vida
dos jovens desta Barcelona que
parece habitada apenas por crianças órfãs, viúvas e veteranos feridos em combate.
Trueba (Oscar de filme estrangeiro por "Sedução", em 1994) falou à Folha sobre "El Embrujo de
Xangai", adaptação para as telas
de romance homônimo do catalão Juan Marsé. Leia abaixo os
principais trechos da entrevista.
Folha - O garoto Dani tem um
destino trágico. Ele não conquista
sua amada, descobre que o herói
que constrói em sua imaginação é
uma ilusão e ainda perde seu melhor amigo. Qual é sua descoberta?
Fernando Trueba - Que a vida é
dor. Como diz a canção, "tristeza
não tem fim, felicidade sim". Mas,
ao mesmo tempo, os momentos
passados junto ao capitão Blay,
seu amigo e veterano da guerra, as
tardes junto com Susana, assim
como o cheiro de seu corpo, são
sua educação sentimental. A única coisa que sobra da vida é também a única coisa que sobra dos
filmes: momentos inesquecíveis.
Folha - Por que a parte da história
que se passa em Xangai tem uma
ambientação típica de filme noir?
Trueba - É a Xangai que meninos
de 15 anos poderiam imaginar na
Barcelona dos anos 40. O único
que sabem a seu respeito é o que
viram no cinema do seu bairro.
Ou seja, pensam que ela é como
costumava aparecer nos filmes de
Hollywood, sempre dublados em
espanhol, que é como se viam todos os filmes na época.
Folha - Como foi adaptar o livro
para as telas?
Trueba - É um filme de corte
clássico. Meus filmes são pouco
modernos, sou um tipo antiquado. O moderno é a apoteose do
subjetivo, do "eu". Ser moderno é
golpear a cabeça do público. Eu
sou muito respeitoso. Quero que
as pessoas se apaixonem pelos
personagens, não por mim.
Folha - Os relatos da Guerra Civil
sempre foram carregados de romantismo. Acha que a tendência é
que exista mais distanciamento, à
medida que o tempo passa?
Trueba - Isso está acontecendo,
mas eu gostaria que não se perdesse nunca a paixão. Com tudo o
que havia de ingenuidade ou erro
naquelas interpretações. Sou maniqueísta. Creio que há bons e
maus. Que a esquerda e a direita
seguem existindo. A direita crê
que o mundo lhe pertence, é como um menino rico e malcriado
que é capaz de quebrar seu brinquedo porque é seu, antes de deixar que outro menino brinque.
A esquerda é composta por
aqueles que, de uma posição ou
outra, às vezes sem ideologia, por
motivos pessoais ou até religiosos, tratam de fazer com que o
mundo seja melhor.
Por isso a direita nunca decepciona, sabemos o que quer, a destruição do planeta para o benefício de uns poucos desalmados. A
esquerda, por sua vez, quase sempre decepciona porque as pessoas
se cansam de lutar, ou traem seus
ideais ou, ao encontrar o suficiente para comer, já não lhes resta
tempo para arrumar o mundo.
Folha - A Barcelona do pós-guerra é um personagem à parte no filme. Como foi reconstruí-la?
Trueba - Barcelona é protagonista. Especialmente o bairro da Gracia. Levei o bairro para seu próprio passado, com a ajuda das
pessoas que vivem lá hoje. Os
mais velhos colaboraram. Houve
uma senhora que, ao ver o cinema
que reconstruímos na praça,
achou que estava tendo uma alucinação. Fiz questão que a reconstrução fosse minuciosa. Até os filmes em exibição no cinema do
bairro eram os que passavam em
Barcelona no verão de 48. Certamente, eram bem melhores do
que os que estão exibindo lá hoje.
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