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26ª MOSTRA INTERNACIONAL DE CINEMA DE SÃO PAULO
Festival chega à última semana com "Ode a Colônia", de Wim Wenders, e "Dolls", de Takeshi Kitano; confira seleção dos imperdíveis até o encerramento do evento
Reta final
Divulgação
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Traudl Junge em cena do documentário "Eu Fui Secretária do Hitler", que é um dos destaques de hoje na programação da Mostra |
Destaque de hoje, o documentário "Eu Fui Secretária do Hitler" traz depoimento de funcionária que transcreveu testamento do ditador feito dias antes de sua morte
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LÚCIA VALENTIM RODRIGUES
DA REDAÇÃO
No início dos anos 40, a então
jovem Traudl Junge queria mais
emoção em sua vida, queria se
desvencilhar das asas dos pais e
encontrar um trabalho. Acabou
sendo contratada por um dos homens mais poderosos e cruéis daquele tempo: Adolf Hitler.
Dominada por uma falsa impressão, imaginou estar no centro
de informações. Na verdade, estava numa espécie de ponto cego
-subtítulo que os diretores austríacos André Heller, 55, e Othmar Schmiderer, 48, usam para
focalizar a vida da mulher que se
tornou secretária do ditador.
"Na vizinhança de um ditador,
ninguém falaria dos crimes que
ele cometera. A cinco quilômetros
de distância, estariam comentando coisas desse tipo, mas não em
sua mesa de chá", diz Heller, por
telefone, de sua casa na Itália.
"Eu Fui Secretária do Hitler",
exibido hoje, é resultado de uma
conversa entre Heller, cuja família, judia, foi dizimada durante o
Holocausto, e Junge, que estava
do lado oposto na guerra.
No dia do lançamento do documentário, no Festival de Berlim,
em fevereiro, no qual foi premiado na seção Panorama, Junge
morreu de câncer. "Cinco dias antes, ela havia me dito: "Libertei minha história, agora acho que minha vida vai poder me libertar". Isso resume o filme", afirma o diretor. Leia a seguir os principais trechos da conversa com a Folha.
Folha - Como o sr. encontrou uma
antiga secretária de Hitler?
André Heller - Ela se recusou a falar por 55 anos, porque achou que
sua história não era interessante e
porque tinha medo de que, se falasse, pensassem que ela fosse
uma completa idiota. Chegou a
escrever suas memórias em 46,
mas nunca ousou publicá-las.
Folha - Como foi o encontro?
Heller - Uma jornalista amiga
minha, Melissa Müller, escreveu
um livro sobre Anne Frank e recebeu uma carta de Traudl Junge.
Na carta, ela disse: "Eu fui secretária do assassino de Anne Frank".
Eu me interessei na hora em conhecê-la. Junge me contou sua
história enquanto eu contava a
minha para ela, que são exatamente opostas. Meu pai foi um judeu austríaco obrigado a imigrar
para fugir do Holocausto. Minha
família foi assassinada em campos de concentração. Depois da
guerra, meu pai não se perdoava
por ter sobrevivido. De certa forma, Junge levanta a mesma questão: "Por que eu sobrevivi?".
Folha - Como ela reagiu depois
que o sr. contou sua experiência?
Heller - Isso criou uma certa
confiança entre nós. Estava interessado em saber como uma jovem podia ser tão ingênua, quais
os problemas de educar uma
criança para ser apolítica e o perigo de deixar os jovens num estado
de espírito tão estúpido. E, no início, não pretendia fazer um filme,
só queria conhecer a história dela.
Editamos as 12 horas de material e depois ela foi à minha casa
-essa é uma parte que também
está no filme- e assistiu à fita. Aí
perguntei por que não mostrar isso ao público. Ela ficou apreensiva, porque tinha medo de que pudesse ser mal interpretada. Pedi
que contasse tudo com sua alma,
não fosse diplomática. Depois de
meses, concordou em lançá-lo.
Folha - A câmera fica o tempo inteiro focada nela. Vocês não tiveram medo de fazer um filme assim?
Heller - Foi uma forma purista,
sem nada além de uma mulher
contando sua história. Você olha
para os olhos, para seus lábios e é
isso. A história dela tira o fôlego
da gente. Os últimos 25 minutos
principalmente, que contam os
últimos dias de Hitler em seu
bunker, é como um monólogo de
Shakespeare, é inacreditável.
Folha - Qual o grande atrativo do
documentário?
Heller - Não há nada de sensacional nem inédito dito ali. Apenas ouvimos a história de uma
das figuras mais monstruosas e
perturbadoras do mundo contada por uma mulher. Ela percebeu
pequenas coisas que representavam muito. Por exemplo, Hitler
não gostava de flores porque não
queria coisas mortas em volta dele -isso vindo do maior assassino de todos os tempos. Quando
viajava de trem, fechava as janelas
porque não queria ver as cidades
bombardeadas -justo o responsável pelos bombardeios. E, quando fala dele como alguém que não
conseguia se largar nas mãos de
uma mulher, põe fim a 200 livros
que discutem sua sexualidade.
Folha - Por que o sr. acha que ela
precisava falar após tanto tempo?
Heller - Não sei. Disse a ela umas
20 vezes antes de começarmos a
gravar que ela não podia morrer
sem contar sua vida. Para mim, o
mais importante é quando ela diz:
"Eu amava esse homem, respeitava-o, mas digo que ele era um
grande criminoso e descobri que
estava totalmente errada".
Folha - O sr. tinha algum roteiro
para fazer a entrevista?
Heller - Nada. Éramos só nós
dois conversando. Às vezes, me
sentia meio enfeitiçado. De tempos em tempos, tinha de me dizer
que aquela era a secretária de Hitler, que ela transcrevera o último
testamento do homem que havia
arruinado minha família.
Folha - O depoimento dela fez
com que o sr. mudasse alguma
idéia sobre Hitler?
Heller - Não, mas acho que muda para quem acredita que ele era
um alienígena. Isso é errado. Ele
era um ser humano, e isso torna
plausível de que aconteça de novo
a qualquer momento. Na Áustria,
temos novamente elementos neofascistas na sociedade. E também
na França e na Holanda. É um perigo que sempre nos ronda.
Folha - Ela amava Hitler?
Heller - Ela o amou aos 17, 18, 19,
20 anos. E admite isso. Outras
pessoas poderiam mentir, mas ela
não o fez. É raro encontrar quem
diga: "Eu o amava, ele era um assassino, estava errada e aprendi",
isso é o mais fascinante do longa.
Folha - Ela se esqueceu de algo?
Heller - Não, isso foi o que restou
para ela. Sua vida acabou de alguma maneira em 1945. Depois disso, viveu apenas uma interminável discussão com seus erros. Não
teve nenhum grande amor, ficou
deprimida, teve câncer, retirou
um dos seios por causa da doença,
contou sua história e morreu. Foi
como se ela ficasse segurando isso
por 55 anos e, quando deu isso ao
mundo, não havia mais nada a
que se segurar. Ela chegou a me
agradecer, por tê-la convencido
de que tinha de se perdoar. Aos 80
anos, era a hora do perdão.
Folha - O sr. a perdoou?
Heller - Não sou da Inquisição.
Houve vítimas dos dois lados.
Não sou burro a ponto de comparar Junge com alguém que esteve
em Auschwitz. Mas Hitler destruiu a vida de meu pai e destruiu
a vida dela. Em níveis diferentes,
foram duas vidas destruídas.
EU FUI SECRETÁRIA DO HITLER.
Direção: André Heller e Othmar
Schmiderer. Quando: hoje, às 20h15, no
Cineclube DirecTV 1; amanhã, às 19h e às
21h30, no Metrô Santa Cruz; terça, às
13h30, no Cinesesc; quarta, às 19h, no
Cinemark Market Place.
Acompanhe pela internet em www.folha.com.br/especial/2002/mostradecinema
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