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LÍNGUA SOLTA
Referência religiosa é traço mais frequente nas falas do presidente, que também se considera "pai dos pobres"
Deus vira obsessão nos discursos de Lula
WILSON SILVEIRA
FÁBIO ZANINI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Os últimos 30 discursos feitos
pelo presidente Luiz Inácio Lula
da Silva revelam que ele adquiriu
o hábito de citar Deus a todo instante e a tendência de se considerar "pai" dos brasileiros, principalmente dos mais pobres.
Das citações recorrentes, Deus é
a mais frequente, aparecendo 36
vezes -foi Deus quem o colocou
na Presidência, graças a Deus o
dólar caiu, Deus abençoe a todos,
se Deus quiser... O nome de Deus
só não aparece nos discursos formais, que são minoria.
A imagem de "pai dos pobres"
-slogan criado no Estado Novo
pelo Departamento de Imprensa
e Propaganda para enaltecer Getúlio Vargas (1883-1954)- é frequente nos discursos sobre os
mais diversos assuntos. Como o
presidente em geral discursa de
improviso, ele passa subitamente
de um assunto a outro e faz as
mais diferentes considerações, de
natureza pessoal, política e até filosófica, sem que se saiba exatamente onde quer chegar.
O ministro da Secretaria Geral
da Presidência, Luiz Dulci, disse
que Lula "é um grande orador popular". Dulci, que participa da
elaboração dos discursos mais
importantes do presidente, afirma que Lula "consegue combinar
impacto emocional e conteúdo na
medida certa, o que é fundamental para o discurso político".
"Eu quero cuidar do Brasil. Eu
quero cuidar do povo brasileiro.
Quero cuidar de cada criança deste país como se estivesse cuidando do meu próprio filho", disse
ele em 9 de maio, em Xapuri (AC),
no lançamento de programa de
parceria com o governo do Acre.
Em 29 de abril, no aniversário
da Embrapa, comparou os brasileiros a crianças e disse que a função dele como presidente era como a do pai que precisa dizer ao
filho que não tem dinheiro para
lhe dar determinado presente de
aniversário: "O pai irresponsável
prometeria o presente para o ano
seguinte, mas o responsável simplesmente diz que não pode".
Essa mesma imagem ele usou
na entrevista que concedeu na última terça-feira a jornalistas estrangeiros. "Eu quero tratar cada
pessoa deste país, de preferência
as mais pobres, como se eu estivesse tratando o meu próprio filho", declarou no dia 6 de maio,
na entrega da medalha do mérito
Serigy, em Aracaju (SE).
"Nós temos que tratar nosso povo com o carinho com que a gente
trata o filho da gente", afirmou no
mesmo dia, em reunião com a
Frente Nacional de Prefeitos.
Dulci não vê traços de messianismo nos discursos de Lula, como julga o cientista político Otaciano Nogueira (leia texto nesta
página): "O que ele transmite é
muita autenticidade e confiança
nas mudanças. Com essas características, o presidente Lula resgatou a palavra como um instrumento importante da ação política e da relação com a sociedade".
Enquanto defende as reformas
constitucionais, o presidente também usa seus discursos em solenidades oficiais para falar sobre assuntos espirituais, dar conselhos
existenciais e discorrer sobre a
missão do homem na Terra.
Eventos de natureza religiosa
têm sido frequentes. Somente em
maio, o presidente incluiu quatro
deles em sua concorrida agenda:
foi a uma missa em São Bernardo,
prestigiou o encontro anual da
CNBB (Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil), em Itaici (SP),
rezou no túmulo de Chico Mendes, em Xapuri (AC), e recebeu
um grupo de jovens católicos italianos no Palácio do Planalto.
O perfil "espiritualizado" do
presidente já foi notado por alguns de seus amigos. "O Lula está
menos preso ao dia-a-dia do governo, mais seguro, e assim está
soltando mais esse lado proverbial que ele traz desde o sindicalismo", diz o assessor especial Frei
Betto, amigo há 25 anos do presidente e autor, nos anos 80, de um
estudo sobre a oratória de Lula
para uma publicação britânica.
Os discursos do presidente frequentemente revelam angústia
com os rumos da humanidade.
Por vezes, sua oratória lembra a
de um sermão, que ele repete nas
ocasiões mais improváveis. Como
em uma solenidade no Planalto
em 14 de maio, quando sancionou
o Estatuto do Torcedor e discursou para uma platéia repleta de
cartolas. "Estamos ficando uma
sociedade, eu diria, meio nervosa.
Acho que a sociedade está ficando
cada vez mais individualizada."
Lula rotineiramente envereda
por temas ligados à missão do homem na vida e seu legado para futuras gerações. "Ou nós assumimos essa responsabilidade [acabar com a fome no mundo], ou,
certamente, os bens materiais que
cada um de nós conquistou não
compensaram a nossa passagem
pela Terra", disse, em 16 de maio,
em videoconferência realizada
pelo Banco Mundial.
Em 9 de maio, ao discursar em
frente ao túmulo de Chico Mendes, preferiu não falar de política,
mas dissertar sobre a necessidade
de superar as adversidades. "O
homem não nasceu para ceder às
dificuldades, nasceu para superar
todas as dificuldades."
Frei Betto diz que a principal característica de Lula é ser "exortativo", ou seja, buscar incentivar
moralmente o interlocutor. "A
mensagem do presidente é ética e
moral, não puramente racional,
como ocorre com a maioria dos
políticos", diz o assessor.
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