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NO PLANALTO
As angústias de um ministro sem rosto
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Outrora falante, caiu de
amores pelo silêncio. Relutou em receber o repórter. Fez
exigências. Nada de gravador
nem de bloco de anotações. Falaria, mas só "em off". Vem de "off
the record". Um jargão jornalístico. Algo que o entrevistado diz ao
entrevistador para alertá-lo de
que, se publicar o nome dele, nega tudo.
Aceita a cláusula de anonimato, abriu o coração. Disse que topou integrar o elenco do governo
Lula sem pretensões de virar protagonista. Só não contava com o
papel de figurante. É como se
sente: "um figurante no cenário
ermo da Esplanada".
Trazia entre os dedos uma caneta vermelha. Gosta de rabiscar
enquanto fala. Em meio a garatujas, deitou sobre a folha branca
um nome: Drummond. Provocado, explicou-se.
Tempera o expediente no ministério com leituras amenas.
Poemas e contos. Um no período
matutino, outro no vespertino.
Em expedição de arqueologia literária, desencavou na estante de
casa um livro de Drummond -
"De Notícias e Não-notícias faz-se a Crônica" (Editora Record,
1987).
Puxou o volume da gaveta.
Abriu-o na página 69. Apontou
para o título: "Serás Ministro".
Leu o texto em voz alta para o repórter. Começa com um diálogo:
"Esse vai ser ministro", sentenciou o pai, logo que o garoto nasceu.
"E você, com esse ordenado micho de servente, tem lá poder pra
fazer nosso filho ministro?", duvidou a mãe.
"Então, só porque meu ordenado é micho ele não pode ser ministro? A Rádio Nacional deu
que Abraão Lincoln trabalhava
de cortar lenha no mato e chegou
a presidente dos Estados Unidos."
"Isso foi nos Estados Unidos."
"E daí? Nem eu estou querendo
tanto pra ele. Só quero que seja
ministro."
[...]
No batizado, ao enunciar o nome do filho, o personagem de
Drummond proclamou: "Ministro". O padre estranhou: "Como?". E o pai, sem hesitação:
"Ministro, sim senhor". A mulher
tentou corrigir: "Tonzinho, não
foi Antônio de Fátima que a gente combinou?" Era tarde.
Auxiliar de Lula, uma versão
tapuia de Lincoln, o interlocutor
do repórter disse que, hoje, pai
nenhum ousaria idealizar um futuro de ministro para o filho.
Nem em crônica. "Não é mais
honraria, é praga."
Em tom aziago, maldisse a própria sorte. Convive com a "ilusão" de que comanda um ministério. Na verdade, seu poder efetivo não vai além da porta do gabinete. Virando a maçaneta, sua
força se dissipa nas sílabas de
uma palavra "indigesta": con-tin-gen-ci-a-men-to.
Queixou-se ao Planalto. Não se
faz revolução com superávit fiscal de 4,25%, impossível tirar
ideais do papel com cortes orçamentários de R$ 14 bilhões. Responderam-lhe assim: "Seja criativo". Pensou em demissão. Foi
demovido por um colega.
Na opinião do ministro sem
rosto, o primeiro escalão de Lula
só tem duas faces: a de Antonio
Palocci Filho (Fazenda) e a de José Dirceu (Casa Civil). Os outros
são meros "administradores do
efêmero". Rebolam para não ficar "ridículos". Daí o silêncio ensurdecedor que se ouve em parte
da Esplanada.
Abatido, o ministro sem cara
pensa em ceder a própria vaga
para que Lula a ofereça ao
PMDB. Despediu-se do repórter
com uma frase e uma promessa.
A frase: "Não achei minha biografia no lixo". A promessa: "Talvez voltemos a conversar. Sem o
off".
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