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Seca limita intenções do projeto
RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL
A seca que há dois anos afeta o
semi-árido nordestino -priorizado pelo governo para implementação do Fome Zero- e a
persistência da escassez de chuvas
este ano impossibilitam um dos
objetivos iniciais do projeto: usar
a distribuição do benefício de R$
50 para incentivar as economias
locais, gerando emprego e renda.
Segundo Walter Belik, um dos
autores do projeto ao lado do ministro José Graziano (Segurança
Alimentar e Combate à Fome),
um dos objetivos da distribuição
dos cartões do Fome Zero é fazer
"uma ponte" entre os produtores
agrícolas locais e pessoas que não
tenham condições de adquirir
seus produtos, incentivando a
economia dos municípios atendidos. "O problema da fome no
Brasil não é de oferta [de alimentos", e sim de demanda", ele diz.
O sindicalista Luiz Marinho,
presidente do Consea (Conselho
Nacional de Segurança Alimentar), disse à Folha na última quarta-feira concordar com o argumento de Belik.
O problema é que a região definida pelo governo como pólo inicial de implementação do projeto
-o semi-árido, inicialmente em
Guaribas e Acauã, no Piauí- não
atende a essas premissas.
"Há um problema sério de produção, de oferta de produtos lá
[no Nordeste]", diz o engenheiro
agrônomo Augusto Gameiro, da
Esalq/USP (Escola Superior de
Agricultura "Luiz de Queiroz").
É isso que leva o próprio secretário de Desenvolvimento Rural
do Piauí, Sérgio Vilela, filiado ao
PT, a dizer que ao menos nesse
primeiro ano a realização do programa no semi-árido nordestino
será uma ação compensatória, assistencialista.
"No presente momento, temos
uma situação de despreparo para
atender essa demanda gerada
com o Cartão-Alimentação", diz.
"Como essa demanda que surgiu, e que vai surgir com a ampliação dos municípios atendidos,
não existia, e as condições climáticas são muito irregulares nessa região, não existe uma estrutura de
abastecimento que seja capaz de
atender às necessidades que a demanda está criando", afirma.
Para Vilela, "como a própria
produção local depende da natureza, e no semi-árido as chuvas estão acabando, só choverá mais no
máximo o mês de março e um
pouco talvez em abril, não é possível sequer produzir culturas de ciclo curto, como é o caso do feijão". Daí que o incentivo à produção local até o próximo "inverno"
(período de chuvas, que vai de dezembro a março) fique limitada.
Produção perdida
Segundo José Antônio Marengo, pesquisador do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), "modelos apontam para
deficiência de chuva" em 2003, o
que mantém a situação de 2001 e
2002. Tudo somado, ele diz, "teria
que ter bastante chuva para os solos se recuperarem".
O diagnóstico é compartilhado
por quem conhece a região. Gilberto José de Souza, 34, é professor primário pela manhã e agricultor à tarde, além de membro
do comitê gestor do Fome Zero
em Acauã. Casado com Leusa e
pai de Jeanderson, se diz privilegiado por ter pai e mãe vivos e
aposentados, cada um recebendo
um salário mínimo do INSS.
Souza diz que, por causa da seca, "a produção está quase toda
perdida". Dividindo uma plantação de 5 hectares de milho com o
pai, diz que "em ano bom" tira
100 sacos. Ano passado colheu 15.
"Esse ano está pior", conclui. Os
R$ 50 do Fome Zero, de cuja gestão participa, são para ele "uma
coisa paliativa".
Em Guaribas, José da Silveira
Bastos, o Zuza, 52, também agricultor e membro do comitê do
programa lá, diz que "a seca foi
grande; muita coisa foi perdida".
Zuza afirma que a maioria dos
beneficiados em Guaribas gasta
os R$ 50 com arroz, que vem segundo ele do Maranhão, e óleo
em lata. Souza diz que, em Acauã
também, o gasto é principalmente
com arroz.
O pesquisador Augusto Gameiro diz que os R$ 50 distribuídos
pelo Fome Zero são "a melhor
medida emergencial". Mas diz
que há um problema nas pretensões de estímulo à economia local.
"Você vai dar R$ 50 para uma família lá, eles vão comprar de onde? Pode ser que seja mais barato
comprar o arroz daqui que o de lá.
Será que esses R$ 50 vão estimular
a produção local? Você tem uma
certa inelasticidade na oferta de
produtos agrícolas. De curto prazo, é impossível. No longo prazo,
até pode ter alguma influência."
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