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NO PLANALTO
Em crise, jornalismo vira profeta do acontecido
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
As corporações jornalísticas cometeram na última
década dois relevantes equívocos:
1) difundiram a tese de que a adesão do Brasil ao consenso liberal
era prenúncio de prosperidade; 2)
acreditaram no devaneio.
A indústria da informação tirou do noticiário que produziu as
suas próprias confusões. Crente
na perspectiva de bonança, traçou planos expansionistas. Contraiu empréstimos em dólar.
Plantou em seus balanços encrencas milionárias. Colhe agora a
tempestade.
Vítima de si mesma, a mídia virou notícia. O setor atravessa
uma crise sem precedentes. Talvez a maior dos últimos 50 anos.
Com o destino atado a um iminente socorro financeiro do
BNDES, a maioria das empresas
de comunicação encontra-se exilada de suas certezas. O consenso
econômico em decomposição é o
incômodo local desse exílio.
Nós, mercadores da informação, devemos à clientela uma boa
explicação. Consumidores mais
atentos já se perguntam: por que
acreditar em produtores de notícias que não foram capazes de
iluminar o próprio futuro?
A embaraçosa verdade é que o
jornalismo se eximiu nos últimos
anos da tarefa de expor adequadamente as contradições do modelo único. Limitou-se a reproduzir, de modo acrítico, a atmosfera
de oba-oba e contemplação em
que se processou o debate econômico. Escassos opositores da nova
ordem foram tratados como chatos que queriam estragar a festa.
A antecipação de tendências é
hoje matéria-prima escassa no
noticiário. O poder decisório migrou da esfera pública para a arena privada. Numa velocidade
que os meios de comunicação não
conseguiram acompanhar.
Houve um tempo em que o Brasil era governado por três Poderes:
Exército, Marinha e Aeronáutica.
Num processo iniciado sob Sarney, tonificado sob Collor, consolidado sob FHC e mantido sob
Lula, o país passou a ser comandado pelo poder monocrático do
mercado.
Mercado sem rosto e disperso.
Que pode estar num gabinete de
Washington, numa corretora de
Nova York, ou num escritório da
avenida Paulista.
O "Poder" Executivo perdeu a
primazia regulatória. Limita-se a
chancelar decisões ditadas de fora. O "Poder" Legislativo virou
peça de ornamento. A dissecação
desse fenômeno é, no momento, o
maior desafio da imprensa.
A ruína da utopia soviética e a
conseqüente disseminação planetária do liberalismo produziram
uma falsa impressão de "fim da
história". A atmosfera ficou impregnada de otimismo.
Imaginou-se que, em países periféricos como o Brasil, um Estado
renovado e enxuto daria vazão a
demandas históricas da sociedade. Regularia o mercado e proveria, finalmente, distribuição de
renda, saúde, educação, segurança etc.
Livre de amarras e sem a concorrência do Estado-empresário,
a fome do lucro moveria o mercado, que beneficiaria a sociedade,
que seria conduzida ao paraíso.
Porém, a "nova história" farejada
por Fukuyama foi sendo gradativamente desmentida pelos fatos.
O paraíso existe. Mas é para
poucos, tem muros mais altos e
dispõe de guaritas guarnecidas
por armas cada vez mais sofisticadas. Vive-se uma festa liberal
para a qual a maioria excluída
ainda não foi convidada.
Até ontem, havia meia dúzia de
esquerdistas guerreando atrás de
barricadas. Não há mais. Eleitos,
Lula e o ex-PT aderiram ao modelão. Não comem mais criancinhas. Dedicam-se agora à jardinagem. Plantam estrelas vermelhas no chão do Alvorada e do
Torto.
Estuário natural da história em
construção, os meios de comunicação amargam cortes orçamentários que reduzem a sua capacidade de observação. Os fatos são
acompanhados de forma burocrática e convencional. Concentram-se os escassos esforços investigatórios nos gabinetes do Estado.
Movimentos decisivos só são
captados pelo jornalismo contemporâneo em sua fase terminal. Ignora-se com freqüência a etapa
de formulação das decisões, comandada por um mercado desgovernado e rendido à lógica externa.
Ou os meios de comunicação se
qualificam para a cobertura desse
núcleo decisório que se sobrepõe
ao Estado, ou serão condenados
ao mero relato de fatos consumados. Perderão de vez o sentido utilitário.
Num cenário de interesses voláteis e difusos, a imprensa não consegue fixar âncoras de referência.
No instante em que leitores e telespectadores buscam a luz que
deixou de brilhar em seus túneis
particulares, o jornalismo converte-se em mero profeta do acontecido.
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