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REFORMA SOB PRESSÃO
Governador recusa papel de algoz para os Estados
Aécio vê descompasso entre Planalto e base no Congresso
Wellington Pedro
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O governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB), durante entrevista no Palácio da Liberdade |
RAYMUNDO COSTA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Eleito o interlocutor dos 27 governadores de Estado com o Palácio do Planalto, o governador de
Minas Gerais, Aécio Neves, 42,
afirma: " O que eu defendo é que o
governo federal e os governadores caminhem solidariamente no
Congresso qualquer que seja a
proposta [reforma da Previdência]". Mas ressalva: "O que não é
correto é que uns se apresentem
fazendo as concessões e outros
com o papel dos algozes. Esse papel, nós [os governadores] não
aceitamos e não exerceremos".
Segundo Aécio, essa talvez seja a
razão pela qual, num entendimento com o ministro José Dirceu (Casa Civil), não tenha ocorrido a reunião que o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva queria
fazer com os governadores quinta
passada. "Achamos melhor que
não houvesse a reunião", diz.
Na entrevista à Folha, Aécio fez
questão de destacar que o papel
que exerce na comissão de governadores, representantes de uma
das cinco regiões (o Sudeste) do
país que negociam com o governo
federal, se deve ao governador de
São Paulo, Geraldo Alckmin.
Leia trechos da entrevista.
Folha - O pacto firmado entre os
governadores e o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva acabou?
Aécio Neves - O presidente e os
governadores bebem na mesma
fonte, que é a legitimidade do voto
popular. E é a partir dessa legitimidade que nós, superando questões partidárias, fizemos algo inédito na história contemporânea
do Brasil: sentamos em torno de
uma mesa e construímos duas
propostas, uma em torno da
questão previdenciária e outra em
torno da tributária, que não eram
a ideal para nenhuma das partes,
mas que eram a possível.
Folha - O que deu errado?
Aécio - Desde o início ficou claro
que não se faz reforma sem contrariar interesses. Era fundamental que todos dividissem os ônus e
os bônus. Os governadores, apesar das diferenças regionais, solidarizam-se com o governo.
Folha - Certo, mas houve mudanças a partir daí...
Aécio - Na verdade, criou-se
uma instância nova na política
brasileira, que confesso que não
conhecia. No meu tempo de parlamento a base de governo expressava as posições de governo,
obviamente depois de discussões
internas. O que estamos assistindo ao longo dessas últimas semanas é que o governo assumiu determinados compromissos e a base de governo assumiu outros no
Congresso e pressionou o próprio
governo a alterar suas posições.
Folha - O governo cedeu?
Aécio - Sem entrar no mérito das
concessões, o processo, a meu ver,
é que foi equivocado. Uma relação dessas pressupõe uma grande
confiança mútua, e não é possível
que recuos continuem acontecendo, como aconteceram permanentemente. Coube aos governadores o papel dos algozes de determinados segmentos da vida
nacional, o que nós não queremos
ser. É um equívoco quererem
apequenar a posição dos governadores nesse processo.
Folha - Qual o risco dessa nova
instância?
Aécio - Qualquer decisão tomada no Congresso deve ser absolutamente respeitada por todos nós,
seja em relação a teto, à integralidade ou a qualquer outra matéria.
O Congresso é autônomo e é
quem dará a palavra final. Apenas
a referência que eu faço é que se
construiu uma relação de pressão
nova da base de governo em relação ao próprio governo. Acredito
que o mais adequado seja o governo conversar com a sua base e ver
qual o limite, até aonde a base está
disposta a ir, e apenas assumir
compromissos que possam ser
sustentados. Acho que houve aí
uma inversão do processo.
Folha -Quando o sr. se refere à
base fala do PT ou de todos os partidos aliados do governo?
Aécio - Tenho grande respeito
pessoal pelo presidente Lula. Mais
do que isso, tenho amizade por
ele. Vejo no presidente um momento bonito, importante para a
vida do país. Confio na sinceridade de suas intenções. O que percebo hoje, com alguma clareza, o
que talvez esteja trazendo dificuldades para o presidente, é que setores que apóiam o governo não
têm convicção em relação ao conteúdo das reformas.
Folha - Por quê?
Aécio - Isso fica latente no momento em que as pressões, as corporações, os lobbies se apresentam. É algo até de origem. Nós temos que tentar compreender.
Mas isso tem que ter um limite.
Folha - Qual o limite?
Aécio - O limite é a manutenção
de propostas cujo contorno final
signifique avanços. Se formos a
cada dia perdendo conteúdo e flexibilizando, vai chegar um momento em que faremos as contas e
avaliaremos que as reformas não
valerão a pena. Não acho que isso
aconteceu. Acho que as reformas
não estão feridas de morte. Ainda.
Mas é preciso que a cada votação
não haja concessões. Falta convencimento profundo de setores
que apóiam o governo, do PT e de
alguns partidos em torno do PT.
Folha -O governo precisa recompor sua base política no Congresso?
Aécio - Falta uma sintonia mais
fina. O presidente tem muitos
méritos conosco, e eu expresso o
sentimento de muitos governadores, ele tem sido absolutamente
correto até agora. Ele tem tido dificuldades muito maiores em sua
base política do que com os seus
adversários. Nós, da oposição, estamos solidários para que ele seja
o grande construtor das reformas,
apesar de a grande maioria dos
governadores estar acossada em
seus Estados por aquilo que eu
chamaria de aparelhamento da
máquina pública, a partidarização da máquina pública, pelo PT
em especial. Isso, em outros tempos, seria motivo para que os governadores não se dispusessem a
estar sentados à mesa construindo essas reformas. Houve uma
ocupação, enfim natural, talvez
até com algum exagero, em cargos de carreira pela máquina partidária do PT.
Folha - Passados sete meses, aparentemente o governo do PT caiu
na mesma armadilha do PSDB. Se
cresce um pouco, tem inflação, o
dólar e os juros disparam. Como escapar dessa cilada?
Aécio - Eu tenho respeito pela
condução econômica do ministro
Antonio Palocci (Fazenda). Ele foi
firme, corajoso, fica aqui esse registro. Mas exagerou um pouco
na mão. Nós produzimos, nesse
primeiro semestre, um superávit
de 5,4% do PIB. Inédito, maior da
história do Brasil, até hoje, R$ 5,5
bilhões acima da meta acertada
com o FMI (Fundo Monetário Internacional). Apenas isso já teria
dado ao Brasil, se isso fosse compartilhado com os Estados, instrumentos de geração de emprego e de estímulo ao crescimento.
Houve excesso. Acredito que o
próprio FMI esteja preparado para um novo entendimento. Agora
é preciso fazer o salto da primeira
etapa, a da falta de credibilidade.
Folha - Mas como faz esse salto?
Aécio - O primeiro momento eu
não quero questionar, o governo
tinha de ser rígido, tinha de mostrar como se faz essa gestão macroeconômica e de respeito à Lei
de Responsabilidade Fiscal. Mas
agora é a hora do salto. E tenho
certeza que o presidente fará esse
salto. Não tenho dúvidas de que o
governo deve estar conversando
com o FMI, mesmo que informalmente, em relação à necessidade
de restabelecer o crescimento.
Folha - Qual a saída?
Aécio - Longe de mim ter a pretensão de dar qualquer conselho,
mas o que posso dizer, como uma
sugestão aqui das montanhas de
Minas Gerais, é o seguinte: vamos
ousar um pouco mais, ousar com
responsabilidade.
Folha - Na área tributária, os governadores não estão preocupados
apenas com as realidades locais?
Aécio - Essa geração de governadores tem feito um enorme esforço de contas. No caso de Minas, o
esforço é inédito: 85% de todos os
repasses do governo federal retornam para o pagamento da dívida.
Hoje estamos obrigados a fazer
um superávit de R$ 670 milhões, e
daqui a dois anos esse superávit
terá de ser de R$ 1,5 bilhão. Essa é
a situação dos Estados.
Folha - Há indícios de que a reforma tributária vai se restringir à
CPMF e à DRU.
Aécio - A reforma tributária está
hoje restrita a uma nova legislação de ICMS, que é positiva, por
mais que não signifique de imediato qualquer garantia de receita
para os Estados. Eu acredito e
confio muito na sensibilidade do
presidente. Hoje, 64% dos tributos estão nas mãos do governo federal. Jamais houve na história do
país concentração tão grande.
23% nas mãos dos Estados e cerca
de 13% nas dos municípios.
Folha - Como isso afeta a governabilidade?
Aécio - Estamos assistindo talvez
a mais séria crise já vivida no país
em relação à governabilidade dos
Estados e dos municípios. Não é
possível pensar num projeto tributário concentrador...
Folha - Na prática, governador,
como essa crise se manifesta?
Aécio - O exemplo real de Minas
Gerais hoje: mais de 100% do que
o Estado efetivamente arrecada
está comprometido com o pagamento da dívida da União, com o
pagamento de pessoal e com
transferências constitucionais,
que são educação e saúde, sobrando zero para investimento e
custeio. Não há como se traçar
um projeto de desenvolvimento
para o país sem que os Estados e
os municípios façam parte desse
projeto. O governo precisa ter a
ousadia de dividir essa responsabilidade também com os Estados.
Se os Estados tiverem sua capacidade de investimento comprometida, o país não vai crescer.
Folha - Como o sr. vê o chamado
caos social: é alarmismo da direita
interessada em desgastar o governo ou uma ameaça real?
Aécio - Não vejo ainda nesse nível, até porque não sou catastrofista. Temos alguns sinais de alerta em relação à questão do campo.
Se avaliarmos outros países, os
governos de esquerda costumam
ser muito mais testados pelos movimentos sociais. Eu vejo alguns
movimentos testando o governo
do PT, que deverá, de forma serena, mas absolutamente firme, estabelecer os limites.
Folha - Mas o MST está onde sempre esteve. Aliás, no governo passado foi além e invadiu a fazenda
dos familiares do presidente.
Aécio - O governo do Lula quer
se consolidar como centro-esquerda. É o que se percebe. Ele sofre o teste da esquerda para saber
aonde ele vai e, obviamente, o da
oposição mais radical da direita.
Folha - O governo está transigindo com aventuras radicais?
Aécio - Talvez esteja faltando
uma clareza maior do que o governo pretende e tem condições
de fazer na questão do campo. Eu
diria que não é uma questão de
alarmismo, mas uma luz amarela
que se acende. Estaremos atentos.
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