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"Tática diabólica" do MST pode gerar crise institucional, afirma Leôncio
DA REPORTAGEM LOCAL
A continuidade da atual pressão dos movimentos sociais somada à imobilidade do governo
Luiz Inácio Lula da Silva, para
Leôncio Martins Rodrigues, professor do departamento de ciência política da Unicamp, pode levar a uma crise institucional.
"Trata-se de uma possibilidade
que não deriva apenas das futricas
da burguesia e da imprensa maldosa, mas que está ligada basicamente à capacidade das lideranças do MST de aprofundar e diversificar suas ações", afirma o
cientista político.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, segundo
ele, utiliza uma "tática diabólica"
ao mobilizar "gente muito pobre"
e reunir, na linha de frente de suas
ações, mulheres e crianças. "Qualquer ação das autoridades contra
acampamentos e marchas dos
pobres abala a consciência culpada das classes médias." Leia a seguir trechos da entrevista.
(RC)
Folha - Há uma situação de desordem ou caos social no país?
Leôncio Martins Rodrigues - Os
dois termos me parecem fortes.
Acho melhor falar num aumento
da tensão social ocasionada por
uma situação de tipo estrutural
-desemprego e criminalidade,
principalmente- e por um processo de mobilização e pressão direta sobre as instituições.
A meu ver, a continuidade da
mobilização, que corre por fora
do sistema político, pode levar a
uma crise institucional, especialmente diante do quadro de perda
da capacidade das autoridades de
manter a ordem. Aí, o que seria
uma crise social pode transformar-se em crise do poder de Estado. Trata-se de uma possibilidade
que não deriva apenas das futricas
da burguesia e da imprensa maldosa, mas que está ligada basicamente à capacidade das lideranças do MST de aprofundar e diversificar suas ações.
Folha - O que o sr. quer dizer com
crise institucional?
Leôncio - Uma das coisas graves
é o governo ter abertamente contra si setores importantes da sociedade brasileira. Desde o setor
empresarial, classes médias, grandes proprietários e setores importantes da alta burocracia, podendo atingir setores das classes trabalhadoras. Sobretudo tendo
contra si a imprensa. Configuraria uma crise para a qual não sei
que desdobramento poderia haver e que solução se poderia dar.
Isso, sempre no condicional, se
o governo continuar imobilizado
diante de uma crescente mobilização popular.
Folha - Uma crise desse tipo seria
algo inédito?
Leôncio - Não. O país viveu crises assim o tempo todo. Depois da
2ª Guerra Mundial é um levante
atrás do outro. Tivemos a crise da
renúncia do Jânio Quadros, depois a crise do João Goulart, depois a do [Fernando] Collor.
Nas condições presentes, os valores democráticos são muito fortes. Nem os EUA ou o primeiro
mundo aceitariam uma saída
não-constitucional. Mas um impeachment seria uma saída constitucional. Não acho que estamos
já num quadro como esse.
Folha - O que o governo poderia
fazer contra o aumento da tensão
social?
Leôncio - Considerando o tipo
de desafio levantado pelo MST, o
governo está acuado. Na verdade,
é difícil encontrar uma resposta a
esse tipo de mobilização social e
política que seja diferente das que
existiram no passado.
Estão sendo mobilizadas dezenas de milhares de pessoas com o
apoio ativo da ala progressista da
Igreja Católica, simpatia de membros do próprio governo e da intelligentsia urbana.
A população mobilizada pelo
MST é de gente muito pobre; reúne, na linha de frente, mulheres e
crianças. Apesar das cruzes que
são carregadas, é uma tática diabólica. Qualquer ação das autoridades contra acampamentos e
marchas dos pobres abala a consciência culpada das classes médias. Autoridades e políticos temem as consequências eleitorais
de tentativas de manutenção da
ordem. Por isso, acabam se limitando a medidas tópicas de natureza reativa. A iniciativa está sempre com as lideranças do MST,
que continua avançando e elevando suas apostas. No Pontal do Paranapanema, o MST está prestes a
estabelecer um "território liberado", administrado por ele, segundo suas regras, valores e ideologia,
mas paradoxalmente sustentado
pelo governo.
Não há nenhuma saída fácil à
vista, mesmo porque o MST é
apenas parte de um conflito ideológico mais amplo quanto aos rumos da sociedade brasileira. Por
isso é que encontra tanto apoio
em outros segmentos sociais,
dentro e fora do governo. Minha
impressão é que as autoridades só
agirão quando encontrarem
apoio na opinião pública, o que
acontecerá apenas quando os
conflitos adquirirem uma dimensão tal que colocará em risco a
própria ordem política.
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