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Protógenes critica falta de independência da polícia
Para delegado, organizações criminosas têm estrutura para entrar no aparelho estatal
Afastado da Satiagraha menos de uma semana após prisões de banqueiro e de investidor, ele afirma que delegados estão fragilizados
Lula Marques/Folha Imagem
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Protógenes Queiroz, delegado da Polícia Federal que comandou caso Dantas, durante entrevista em seu apartamento em Brasília
RUBENS VALENTE
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA
Primeiro num táxi e, depois,
em sua casa, um apartamento
alugado onde vive desde 2003
na capital, o delegado da Polícia
Federal Protógenes Queiroz,
49, concedeu a primeira entrevista desde que deixou o comando da Operação Satiagraha. Disse, desde os contatos iniciais para a realização da entrevista, que não falaria sobre o
conteúdo do inquérito nem sobre outros pontos da operação,
alegando o dever de zelar pelo
sigilo da investigação. Mas fez
várias alusões, veladas ou indiretas, ao caso.
O inquérito que embasou a
Satiagraha levou à prisão, por
duas vezes, o banqueiro Daniel
Dantas, solto em ambas as vezes por ordem do presidente do
STF (Supremo Tribunal Federal), Gilmar Mendes. Também
foram presos -e depois soltos- o investidor Naji Nahas e
o ex-prefeito Celso Pitta, entre
outros acusados.
Em documento protocolado
na Justiça Federal, Protógenes,
afastado do caso pela cúpula da
PF -ou "a pedido", segundo a
versão oficial-, disse ter havido "tentativa de obstrução" do
trabalho por delegados da direção geral do órgão. Também citando a questão do sigilo sobre
os autos, ele não comentou, na
entrevista, motivos que o levaram a fazer a queixa à Justiça.
O delegado defende a autonomia da PF, tema de um projeto de emenda constitucional
que tramita no Senado. Segundo ele, os delegados hoje estão
"expostos" e "fragilizados" e
precisariam ter garantias de
permanência no cargo durante
as investigações.
FOLHA - O trabalho da PF está vulnerável a interferências e pressões
externas?
PROTÓGENES QUEIROZ - A PF não
tem a prerrogativa da inamovibilidade, como têm o Ministério Público, o Judiciário. O juiz
que começou uma ação tem essa prerrogativa. Nenhum superior hierárquico pode querer tirá-lo do caso.
FOLHA - O delegado fica exposto?
QUEIROZ - Sim, muito exposto,
muito fragilizado. A polícia não
é uma instituição independente, faz parte do Poder Executivo. Se tivesse independência,
haveria mais segurança para a
autoridade investigar. E fortaleceria até a imparcialidade.
FOLHA - Essa independência já não
existe?
QUEIROZ - De maneira nenhuma. Agora mesmo, devido a razões que não posso manifestar,
em relação à Operação Satiagraha, verificou-se a necessidade de a autoridade policial ter
independência funcional. Isso
vale principalmente nas investigações que envolvem corrupção nos órgãos do poder estatal.
FOLHA - Por quê?
QUEIROZ - Certas organizações
criminosas hoje possuem estrutura e poder para colocar
determinados criminosos no
vértice do aparelho estatal. É o
que nós estamos vendo no quadro aí. O próprio processo eleitoral fica comprometido com
candidatos que praticaram diversos crimes, que têm indícios
de práticas criminosas. Eles são
os futuros legisladores. Isso
fragiliza o aparato estatal e deixa a sociedade fragilizada em
relação à segurança pública. A
situação tende a piorar enquanto nós permitirmos isso.
FOLHA - A quem o sr. se refere?
QUEIROZ - Hoje a sociedade já
grita. Até mesmo pela Operação Satiagraha, já se criou um
movimento popular. É a primeira vez na história do país
que várias instituições discutiram uma investigação policial.
Há essa necessidade. Já nasceu e está crescendo um movimento nacional de resistência
à corrupção. Isso é um fato.
FOLHA - Que tipo de manifestação
demonstraria isso?
QUEIROZ - Várias, inclusive
mensagens, cartas que tenho
recebido. Muitas cartas, até de
crianças. São manifestações
que deixam a gente muito fortalecido. (...) Hoje eu sou muito
mais determinado do que era
antes. Se eu já tinha uma determinação imperiosa de não temer, praticamente se multiplicou com esse apoio popular.
FOLHA - Como o sr. define seu comportamento na Satiagraha?
QUEIROZ - Meu comportamento é como o do cidadão que há
muitos anos se vê sem solução
para situações que ocorrem no
país, em especial no combate à
corrupção. Esse trabalho foi
praticamente um grito que saiu
da garganta de todos os brasileiros que se sentiam oprimidos por estarem, aí sim, algemados por poderes que até então não identificamos. A sociedade estava com isso entalado
na garganta e fui apenas o instrumento desse povo que se vê
oprimido quando tem diante de
si vários atos de corrupção, de
desvios de recursos públicos.
Fui o porta-voz do grande grito
contra a corrupção no país.
FOLHA - O sr. se arrependeu de algo que tenha feito?
QUEIROZ - Não, em absoluto.
Cumprimos com o nosso dever.
FOLHA - O sr. esperava tanta reação, inclusive negativa, ao trabalho?
QUEIROZ - As críticas vieram de
um segmento que tem compromisso com outros valores. São
críticas comprometidas com
outros ideais, não com o ideal
que a sociedade hoje sonha e almeja. Talvez por isso essa repulsa da sociedade e do povo
quanto ao ocorrido.
FOLHA - O que levou o sr. ir ao Ministério Público e à Justiça para expor problemas que o sr. enfrentou
na investigação?
QUEIROZ - Não posso responder
porque está coberto pelo sigilo.
FOLHA - Houve tentativa de obstrução do seu trabalho?
QUEIROZ - Sobre isso não posso
falar porque é alvo da investigação que está em andamento.
FOLHA - Como o sr. recebe as críticas sobre supostos excessos em operações policiais, como indícios que
não se confirmam ou citações a pessoas que depois são inocentadas?
QUEIROZ - As críticas advêm de
uma minoria que demonstra
com o que está comprometida.
São pessoas que têm outro
compromisso. Obviamente, todas as críticas são bem-vindas,
até para uma avaliação do caso.
FOLHA - Por que o sr. incluiu um capítulo sobre mídia e jornalistas?
QUEIROZ - Só posso falar em outro contexto, não sobre o inquérito. O papel da mídia é importante. O país vive um momento em que todas as instituições discutem todos os seus
problemas. A mídia não poderia ficar à margem desse processo. Teria também que discutir nesse mesmo contexto. Porque há necessidade de se discutir o papel ético, profissional,
das informações que são veiculadas. O compromisso com a
verdade. Achei muito oportuna
essa discussão também em termos de mídia e de imprensa.
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