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Intelectuais vêem petista como "antimessias"
RAFAEL CARIELLO
DA SUCURSAL DO RIO
O inédito assédio da população
ao presidente eleito, Luiz Inácio
Lula da Silva, deve-se, segundo
analistas ouvidos pela Folha, a
mudanças culturais e políticas no
país e, sendo fato novo, é distinto
de qualquer espécie de messianismo. Ao contrário, Lula é definido
por eles como um "antimessias",
o "oposto do salvacionismo".
Essa é, em resumo, a análise
compartilhada pela professora de
filosofia da USP, Marilena Chaui,
por Otávio Velho, antropólogo da
UFRJ (Universidade Federal do
Rio de Janeiro), e Irlys Barreira,
antropóloga da Universidade Federal do Ceará e do Nuap (Núcleo
de Antropologia da Política), entidade que reúne antropólogos de
diferentes Estados do país.
Otávio Velho diz que o assédio a
Lula "é inédito" e a reação popular, para ele, é comparável à que se
seguiu à morte de Tancredo Neves. "Não tenho lembrança de
uma eleição de presidente que
causasse esse tipo de comoção".
Só uma mudança cultural, que
viria acontecendo silenciosamente e sem reflexo político, poderia
explicar essa "comoção", diz.
"Até hoje o povo tinha dificuldade de se identificar com uma figura como Lula porque não se
considerava com a dignidade e
potencial necessários para chegar
a uma posição como essa [de presidente"", afirma Velho.
Ele diz que, com a eleição de Lula, não predominou essa "identificação negativa", resumida na frase "ele é igual a mim, e portanto
não faz sentido ser presidente da
República". "Abriu-se uma brecha para a identificação positiva
-"ele é igual a mim e vou votar
nele para presidente por isso". Essa é a grande mudança". O antropólogo afirma que, por conta disso, a receptividade popular a Lula
não engendra nenhum tipo de
messianismo. Ao contrário, diz
que a identificação com o petista
substitui o salvacionismo.
"Não é a identificação com o
outro, com alguém que vai resolver nossos problemas, mas com
alguém que "é um de nós". Salvacionismo está identificado à imagem de um outro que vem nos
salvar. Parece haver uma consciência muito grande das dificuldades a serem enfrentadas. Isso é
o oposto do salvacionismo".
O significado da "interação
mais forte" com Lula, ele diz, é a
constituição de uma democracia
de massas. "Não é mais uma democracia em que se assiste à ação
das elites num palco."
O fato de Lula "ter um partido
por trás" é um dos argumentos
que Irlys Barreira apresenta para
sustentar que o presidente eleito
representa a antítese das características de um líder messiânico,
que ela enumera.
A primeira é o personalismo.
Outra característica do messianismo é o aparecimento intempestivo, imprevisto, do líder. "Lula e o
PT têm história", diz a antropóloga. Finalmente, Barreira contrapõe o discurso antipolítico, com
promessas de felicidade irreais, típico dos messiânicos, ao discurso
do presidente eleito.
"Lula representa o antimessianismo", conclui.
Marilena Chaui, uma das principais intelectuais ligadas ao PT,
diz não se lembrar "de um presidente tão festejado". E apresenta
três razões para o que chama de
"festa": a recuperação promovida
por Lula do discurso político, que
"a sociedade compreende e deseja", em oposição ao "discurso técnico" dos últimos 12 anos; a "recuperação da dignidade do povo
brasileiro", encarnada na promessa de mudança; e o reconhecimento do papel de Lula como líder na história da democracia
brasileira dos últimos 25 anos.
A experiência sindical do presidente eleito, segundo Chaui, seria
a garantia para evitar que a identificação popular "descambe para o
populismo". "A experiência sindical é a de alguém que representa
uma coletividade, e não daquele
que a tutela. O populismo é a
perspectiva da tutela de um povo
que não sabe de si. Lula tem uma
educação política que torna impossível o populismo."
Embora possa haver expectativas irreais e salvacionistas em pessoas que assediam o petista, diz a
filósofa, as propostas de Lula vão
no sentido contrário.
"Quando Lula propõe um pacto
social, a idéia é que as pessoas não
esperem a salvação, mas participem da ação política."
O professor de filosofia política
Denis Lerrer Rosenfield, da
UFRGS (Universidade Federal do
Rio Grande do Sul), discorda de
Chaui, Barreira e Velho. Para ele,
o assédio a Lula não passa de
"uma manifestação normal decorrente de vitória, que deve durar mais algumas semanas".
Isso não significa que não possa
haver ameaças no tipo de relação
cultivada pelo presidente eleito
com as pessoas que o assediam. O
atual apoio popular, afirma, poderia no futuro ser convertido em
populismo. "Existe uma tendência muito forte no PT em apelar
para a demagogia, ou seja, um tipo de retórica que está de acordo
com algumas palavras e conceitos
e que organiza a população ou setores próximos ao partido em
função dessas tendências ideológicas. A demagogia pode ter esse
caráter populista", afirma.
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