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GRANDE SERTÃO
Região do Projeto Fulgêncio é a maior produtora de maconha do Estado; lei do silêncio impera entre os moradores
Verba pública custeia tráfico em Pernambuco
MURILO FIUZA DE MELO
ENVIADO ESPECIAL A SALGUEIRO (PE)
Recursos do governo federal
que deveriam financiar culturas
alternativas no Polígono da Maconha, no Estado de Pernambuco, estão sendo utilizados para o
plantio da droga.
A PF (Polícia Federal) e o Ministério Público do Estado investigam uma quadrilha de traficantes
que atua no Projeto Fulgêncio, o
maior de irrigação mantido pela
Chesf (Companhia Hidrelétrica
do São Francisco) no Nordeste,
no município de Santa Maria da
Boa Vista, a 604 km de Recife.
São 1.500 famílias assentadas
em 47 agrovilas, construídas a
partir de 1988 numa área de 240
km2. A área, perto do rio São
Francisco e destinada à fruticultura, é hoje a maior região produtora de maconha de Pernambuco.
Só neste ano, a PF destruiu quase 150 mil pés de maconha nas
agrovilas do Fulgêncio. Entre
2000 e 2003, foram 414 mil pés e
222 mil mudas erradicadas, além
da apreensão de 210 kg da droga
pronta para consumo.
As famílias do projeto não pagam água, luz e, até o fim de 2001,
recebiam uma ajuda de custo
mensal da Chesf de R$ 250. Apesar do apoio público, os moradores vivem como se estivessem numa favela dominada por traficantes de drogas no Rio ou em São
Paulo. O silêncio é a lei, e o medo,
condição de sobrevivência.
Segundo a PF, a região é controlada por uma quadrilha de 20 criminosos, liderada por Jerry
Adriane Gomes da Silva, o Nego
de Lídio. O grupo é acusado de assassinatos, roubos de cargas, assaltos e de comandar o plantio de
maconha no projeto.
"Quem o desobedece, morre",
disse o chefe de Operações da PF
em Salgueiro (cidade vizinha ao
Fulgêncio), João Evangelista.
A polícia tem que procurar caminhos alternativos para entrar
no assentamento porque a entrada principal, em frente a um posto
da PM (Polícia Militar), na BR-428, é monitorada por informantes do tráfico.
"Se entramos por ali, eles [os informantes] ligam para o Nego de
Lídio para avisar. Algumas vezes,
soltam fogos", disse Evangelista.
A estratégia tem dado certo. Do
posto da PM até a agrovila principal do Fulgêncio são 20 km. Hoje,
a única imagem de Lídio que a PF
tem é uma foto de dez anos trás.
Sequeiro
O cultivo da maconha na região,
segundo a PF, ocorre nos sequeiros -áreas de caatinga em torno
das plantações de frutas- e, às
vezes, nos próprios terrenos irrigados de agricultores expulsos
por traficantes. "Já encontramos
maconha entre as bananeiras",
informou Evangelista.
Para manter os plantios de maconha nos sequeiros, os traficantes desviam parte da água do canal de irrigação que corta o Fulgêncio. Segundo o engenheiro
Carlos Aguiar de Brito, responsável pelos projetos de assentamento da Chesf na região, pelo menos
mil litros de água dos 6.000 captados diariamente no São Francisco
são desviados pelo tráfico.
"Nossa principal estação de
bombeamento está trabalhando
20 horas por dia, quatro horas a
mais do que o necessário. Mesmo
assim há áreas que deixam de ser
irrigadas depois das 15h", disse.
Normalmente, as agrovilas recebem água até as 18h.
O canal de irrigação do Fulgêncio tem 42 km e sua operação é
feita, desde 1998, por uma empresa terceirizada, a Engenharia
Granville & Bazan Ltda., de Petrolina (PE), contratada pela Codevasf (Companhia de Desenvolvimento do Vale do Rio São Francisco) em convênio com a Chesf.
Indicações
O contrato com a Granville &
Bazan, que termina em julho deste ano, é de R$ 8,2 milhões. A
maior parte do dinheiro é usada
para pagamento de pessoal. A
empresa mantém 193 funcionários, dos quais a maioria é indicada por Jucelino Gomes da Silva,
vereador de Santa Maria da Boa
Vista e irmão de Nego de Lídio.
"Ele é o braço político da quadrilha e transformou o Fulgêncio
em seu curral eleitoral", afirmou
Evangelista.
O vereador está preso desde o
dia 25 de outubro sob as acusações de associação ao tráfico, formação de quadrilha e homicídio.
Os cargos indicados por Gomes
da Silva -vigias, inspetores de irrigação e operadores de bomba-
são fundamentais para a sustentação do tráfico. Cabe ao inspetores
de irrigação, por exemplo, fiscalizar o desvio de água dos canais.
Segundo a PF, muitos inspetores
fazem vista grossa para o fato.
Em troca do silêncio dos funcionários está a possibilidade de um
bom salário numa região sem emprego como a do sertão pernambucano. A remuneração varia de
R$ 400 a R$ 800.
O operador de bomba Elcivando Damacena Silva, 27, ganha
R$ 512 por mês. Sua função é administrar a pressão da água nas
estações de bombeamento. "Estou trabalhando aqui há seis meses graças ao doutor Jucelino."
O gerente de Contratos da
Granville & Bazan, Rivaíldo Pereira de Souza, confirma o caso.
"O pessoal é indicado, faz os testes
e é contratado. Quem indica é o
vereador Jucelino. Já disse isso à
Polícia Federal", afirmou Souza.
Ao menos oito funcionários da
empresa já foram demitidos por
suposto envolvimento com a quadrilha de Lídio. Dois deles estão
presos sob a acusação de tráfico e
roubo de cargas. Na cadeia pública de Santa Maria da Boa Vista,
dividem a cela com o vereador.
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