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São Paulo, domingo, 04 de maio de 2003

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ELIO GASPARI

O Unibanco tornou-se um cliente Uniclass

Em fevereiro de 1999, no meio da crise cambial que ajudou a provocar, o ministro da Fazenda, Pedro Malan, fez um breve discurso no qual disse o seguinte: "Como vocês sabem, sou servidor público de carreira, nunca fui outra coisa, nem pretendo ser."
A partir desta semana, o professor Pedro Malan será o novo vice-presidente do Conselho de Administração do Unibanco.
Assim o Unibanco torna-se a casa de crédito com maior densidade de ministros da Fazenda da história nacional. Walther Moreira Salles (a alma da companhia) e Marcílio Marques Moreira foram ministros depois de terem passado pelo banco. Malan vai para o banco depois de ter passado pelo ministério. As relações pessoais do professor com o banqueiro Pedro Moreira Salles estreitaram-se nos anos 90. Em 2001 Malan festejou na casa de Moreira Salles os 50 anos de sua mulher.
A ida de Malan para o Unibanco representa também um êxito para um pedaço do corpo docente do Departamento de Economia da PUC do Rio de Janeiro, do qual é um expoente. Desde a criação da Universidade de Paris, na Idade Média, não se conhece caso de uma geração de professores que tenha feito tamanha fortuna em tão pouco tempo. Atualmente, os professores Pérsio Arida (ex-presidente do Banco Central e ex-sócio do Banco Opportunity) e André Lara Resende (ex-presidente do BNDES e ex-sócio do Banco Matrix) estão no Conselho do Itaú. Gustavo Franco é sócio de uma empresa de consultoria e investimentos. Armínio Fraga também. Ambos presidiram o Banco Central.
Já há 2,5 milhões de desempregados nas seis maiores regiões metropolitanas brasileiras e a renda da patuléia empregada caiu 2% em março. Ninguém haveria de querer que a ekipekonômica do tucanato ficasse desocupada, nem que Malan fosse trabalhar num lugar onde ganhasse menos do que o valor de sua aposentadoria por 35 anos de serviços a Viúva. Pareceria perseguição petista.
O que torna esses sábios típicos é que numa época de estagnação econômica e de crescimento pífio da produção industrial, eles fizeram uma opção profissional rendosa, sistemática e preferencial pela banca. O economista Raul Prebisch, criador e gerente-geral do Banco Central argentino por 14 anos, nunca ocupou cadeira em banco. Dizia que os conhecia demais para aceitar trabalho num deles.
Uma trapaça da história leva Malan para o Unibanco depois de ter presidido o Banco Central e de ter ocupado o ministério da Fazenda durante uma grave crise bancária. Nela, graças ao Proer, programa que ajudou a conceber e a administrar, subsidiou-se a compra, por bancos sadios, da banda podre do sistema. Nesse lance genérico, a Viúva perdeu no mínimo R$ 17 bilhões. Com os mecanismos do Proer, o Unibanco absorveu o banco Nacional. No lance específico a Viúva perdeu R$ 7 bilhões. Uma CPI estudou as operações do programa e concluiu pela sua lisura. Avaliando o conjunto da obra, o relatório do deputado Alberto Goldman entendeu que o Proer foi coisa boa, valendo o "custo social" que cobrou. Assim é Pindorama, a turma que repete a lição atribuída a Milton Friedman -"não há almoço grátis"- janta banco grátis.
O doutor Gastão Vidigal, arquétipo do banqueirão paulista, ensinava que só se pode chamar de "produto" coisa que se possa empacotar. O último ministro da Fazenda brasileiro que produziu alguma coisa foi Dilson Funaro (1985-1987). Era dono de uma fábrica de brinquedos. Antes dele, Karlos Rischbieter foi dirigir a Volvo. Sebastião Paes de Almeida foi ministro de Juscelino Kubitschek, Horácio Lafer serviu a Getúlio Vargas e Guilherme da Silveira a Eurico Dutra. Fabricavam vidros, azulejos e tecidos. Lula tem um ministro do Desenvolvimento que produz alimentos. Luis Fernando Furlan é um dos donos da Sadia. FFHH teve cinco ministros do Desenvolvimento, só um dispunha de breve experiência na produção. Malan, como os professores Delfim Netto e Octavio Gouvea de Bulhões, estava na coluna dos burocratas. Agora, junta-se ao grupo dos banqueiros, onde estão Mário Henrique Simonsen, Clemente Mariani e José Maria Whitaker.
Nos oito anos de tucanato a produção industrial brasileira teve um crescimento pífio, em torno dos 2,5% ao ano. O lucro dos grandes bancos no ano passado cresceu em 24,5%. O tucanato e os primeiros meses de administração petista só produziram dois números gordos: juros (26,5%) e desemprego (29,7% em São Paulo).
Diante dos ganhos excelsos de seus associados, o presidente da Febraban, Gabriel Jorge Ferreira, adverte que é um equívoco atribuir a lucratividade dos bancos à alta da taxa de juros: "O lucro dos bancos é uma demonstração de competência".
Põe competência nisso.

A obra do Aleijadinho ganhou um novo olhar: o da censura
A Justiça determinou a apreensão de 2.100 exemplares do livro "O Aleijadinho e sua oficina". Fez isso reconhecendo o direito de um colecionador paulista (Ricardo Whitaker) que se julgou ameaçado por "danos irreparáveis", com a divulgação da obra. Censura inócua, porque o livro -patrocinado pelo Bradesco Seguros- já teve quatro mil exemplares distribuídos. O trabalho é de três reconhecidos estudiosos da obra do Aleijadinho: Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira, Antonio Fernando Batista dos Santos e Olinto Rodrigues dos Santos Filho. Eles listam e comentam 128 obras atribuídas ao genial escultor barroco e à sua oficina. Whitaker é um dos grandes colecionadores do Aleijadinho. São dele quatro das peças catalogadas. Uma linda Santana Mestra é a melhor obra em coleção particular. Ele acha que tem outros 38 santos do artista.
Os estudiosos classificaram a produção do Aleijadinho em três grandes grupos. Um, de 74 esculturas feitas só por ele. Outro, com 27 peças, inclui a colaboração da oficina. Esse seria o caso da Nossa Senhora das Dores, do Banco Itaú, que valeu US$ 300 mil num leilão da Christie's. Outros 27 trabalhos seriam da oficina, com um toque do artista, ou nem isso.
O livro tornou-se o terceiro grande catálogo da obra do escultor. As reclamações têm duas origens. Há os donos de peças que não gostaram de ficar com obras "da oficina" e há a grita de quem ficou de fora. Uma peça reconhecida como obra do Aleijadinho em trabalho respeitável vale dinheiro para ninguém botar defeito. Se a Nossa Senhora das Dores do Itaú fosse classificada como obra de outro artista do período valeria três vezes menos. A Pirelli micou num São Francisco que lhe custou em torno de R$ 300 mil.
O escultor mineiro viveu entre 1738 e 1814. Teve pelo menos 50 anos de atividade. Numa estimativa grosseira, com a finalidade de dar uma noção de grandeza, o Aleijadinho pode ter esculpido em torno de 300 peças móveis. É provável que haja por aí outros 150 santos gritando que são do Aleijadinho.
Essas disputas são dirimidas por especialistas. Não se conhece caso de coleção protegida por decisão judicial, nem acervo de artista demarcado por sentença. Também não se sabe de censura de opinião sobre autoria de obra. É difícil entender porque um processo desse tipo tramita em segredo de justiça. Se não fosse o repórter Jotabê Medeiros, o caso continuaria sob sigilo.
O "Auto-retrato" de Rembrandt exposto no MASP não foi reconhecido pela comissão holandesa que catalogou sua obra. Assim como ela não reconheceu "O homem do capacete dourado", do museu de Berlim. Não houve tentativa de silenciar o relatório da comissão. O quadro "O balcão", que está na capa de um dos catálogos do Metropolitan Museum, foi considerado por mais de 200 anos como uma obra de Goya. Revelou-se uma fraude, praticada com a provável cumplicidade de seu filho. No porão da National Gallery há uma tela que já foi atribuída ao pintor renascentista Andrea Verrocchio. Numa parede do Metropolitan há um "Tocador de alaúde" que foi considerado cópia do quadro homônimo de Caravaggio (1571-1610) exposto no Hermitage. Viu-se que são dele os dois retratos daqueles rapazes de que tanto gostava.
Na encruzilhada onde a arte faz esquina com o mercado, acontecem coisas horríveis. Há colecionadores que mercadejam, mercadores que colecionam e artistas que falsificam (Michelangelo esculpiu em busto à maneira de Roma Antiga). Dano irreparado sofreu a National Gallery de Washington. Perdeu em torno de US$ 500 milhões com o rebaixamento de quadros doados por milionários do início do século passado. Bernard Berenson, o maior especialista em pintura italiana do Renascimento, tinha um contrato de gaveta e um codinome telegráfico (Doris) com o mercador Lord Duveen. Embolsava 25% do valor de venda dos quadros que avaliava. Topic Mimara, um colecionador iugoslavo que mercadejava, surpreendeu seus adversários quando se viu que era verdadeira uma esplêndida cruz medieval de marfim que vendeu em 1963. Ele dizia ter um Leonardo. Sua coleção está hoje num palácio, em Zagreb. Acredita-se que oito em dez peças sejam falsas.
Se não houvesse especialistas como os autores do livro apreendido, capazes de se dedicar ao estudo da obra de um artista, Topic Mimara seria um dos maiores colecionadores de todos os tempos e Elmyr de Hory não teria tempo para atender à quantidade de encomendas.
Quem é Elmyr de Hory? O maior falsário do século 20. Morou no Rio. Morreu em 1976. Pintava tão bem umas mulheres de rosto oval e pescoço comprido que hoje os seus Modigliani valem US$ 20 mil no mercado.

Eremildo, o idiota
Eremildo é um idiota. Outro dia foi visitar um banqueiro amigo e viu um convite para almoço em cima de sua mesa. Dizia o seguinte:
"Os atuais sócios da Patrimônio Investimentos e Participações têm o prazer de convidá-lo para o almoço de lançamento de suas novas atividades e nova marca -Pátria - Banco de Negócios- com a presença do Excelentíssimo Senhor Fernando Henrique Cardoso que discorrerá sobre o tema "Por que investir no Brasil: crescimento certo".
O palestrante (remunerado) governou o país entre 1995 e 2001. Nesses oito anos o Brasil cresceu a uma taxa média de 2,37% ao ano, uma das piores do período republicano. Durante seus dois mandatos a Viúva pagou aos seus banqueiros e emprestadores taxas de juros que estiveram entre as mais altas do mundo.
O idiota telefonou para o Pátria e aceitou a boca-livre. Vai lá só para comer bem, porque algo lhe diz que quando FFHH fala em crescimento, logo esquece o que disse.

Curso de Madame Natasha
Companheira Natasha tem horror a música, mas gosta do hino cubano. Ela concedeu uma de suas bolsas de estudo ao PT. O boletim de sua fundação de estudos diz o seguinte:
"O desafio de constituir um campo analítico capaz de compreender a evolução da conjuntura brasileira neste novo período histórico reclama um vasto trabalho do pensamento, de reflexão e de conhecimento. Não é possível captar as novas lógicas e racionalidades que dirigem agora a política brasileira armado de diagnósticos e expectativas que as eleições de outubro de 2002 tornaram anacrônicos. Este anacronismo poderia ser assim conceituado: se nos últimos anos a conjuntura brasileira poderia ser lida a partir da crise do paradigma neoliberal de organização do Estado brasileiro, nos próximos anos ela deve ser interpretada à luz da transição de paradigmas, para um novo princípio de organização do Estado brasileiro.
Natasha entendeu: "Esqueçamos o que pensávamos".



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