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NO PLANALTO
A serviço de Lula, Abin vigia o quintal do PT
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Ronalda Barreto é uma petista de mostruário. Filiada
ao PT, milita no sindicalismo educacional. Integra a diretoria da
Associação de Docentes da Universidade do Estado da Bahia. Desapontada com o governo Lula,
Ronalda ajudou a organizar um
fórum para debater o ensino. Deu-se em Salvador, nos dias 26 e 27 de
junho. Atraiu professores, funcionários e alunos de universidades
baianas.
O Ministério da Educação foi
convidado a enviar representante.
Ninguém apareceu. O governo
apanhou pelas costas. Concluiu-se
que Brasília patrocina a "degradação mercantilista da educação
superior".
Ronalda foi uma das oradoras
mais enfáticas. O timbre enérgico
a fez personagem involuntária de
um documento confidencial. Seu
nome e um resumo do que disse
constam do "relatório de inteligência número 0119/8140".
O texto ocupa uma folha de papel. Traz no alto o timbre da
Agência Brasileira de Inteligência.
Redigiu-o um espião lotado nos
escritórios da Abin em Salvador.
Na terça-feira, informada pelo
repórter de que fora espionada,
Ronalda admirou-se: "O encontrou foi público. Não precisavam
espionar. Estou chocada".
Como Ronalda, petistas e assemelhados têm sido vigiados pela
máquina de bisbilhotice estatal
em todo o país. Há espiões grudados nos sem-terra e nos sem-teto,
nos sindicatos e nas ONGs.
O repórter perguntou ao Gabinete de Segurança Institucional
da Presidência por que a Abin do
PT varre o quintal do PT. A resposta veio por escrito. Diz que cabe à Abin obter e analisar dados
"destinados a assessorar o presidente da República". Daí a necessidade de "conhecer anseios, aspirações e posições dos diversos grupos sociais".
Um cheiro de queimado emana
dos subterrâneos da Abin. Trava-se ali uma guerrilha da farda contra o paletó. Sobreviventes do velho SNI, treinados no vale-tudo da
linha-dura, tentam prevalecer sobre analistas recrutados por concurso público na gestão FHC.
A turma do paletó acha que o
grupo da farda leva muito lixo aos
arquivos da Abin. Defende-se
uma renovação da pauta. Enquanto se ocupa de Ronaldas, a
agência se esquece de produzir,
por exemplo, informes sobre os riscos de embargos a produtos brasileiros no exterior. Como os que foram impostos pela China (soja),
Rússia e Argentina (carne).
A velha guarda receia que a pregação mudancista oculte um desejo de expurgo. Temendo o desemprego, a farda foi à trincheira. De
início, Lula negligenciou o problema. Só acordou há um mês, quando estilhaços do tiroteio começaram a invadir-lhe o gabinete.
Nomeou-se para a direção da
Abin Paulo Marcelo Lima e Silva,
delegado da Polícia Civil de São
Paulo. É velho conhecido de Lula.
Em sabatina no Senado, na semana passada, Lima e Silva superfaturou as facções que se digladiam
na Abin. São cinco grupos, disse.
Só há notícia de dois.
O novo diretor disse, de resto,
que vai adotar uma política de
"transparência". A turma do paletó avisa que o pessoal da farda
tem horror a tudo o que é translúcido. Abriram-se apostas em torno
do tempo de permanência de Lima e Silva no novo cargo.
Sob Lula, o Planalto é reverencioso com a turma da farda. No
ano passado, ao anunciar em seu
"Boletim de Serviço Confidencial"
a aposentadoria do coronel Rubens Robine Bizerril, a Abin cobriu-o de encômios.
Conforme noticiado aqui, recordaram-se os "anos de bons serviços" prestados por Bizerril "à inteligência brasileira". Ingressara no
SNI na década de 70. Antes, chefiara uma cadeia militar em
Goiás, em cujas dependências o
estudante Ismael de Jesus Silva foi
torturado até a morte.
Na semana passada, o repórter
obteve um documento "confidencial" assinado por Bizerril em junho de 1974. Chama-se "relatório
de viagem". Anota o resultado de
uma missão confiada ao então
major Bizerril e ao sargento
Swamy Paiva Figueiredo.
"Sentindo o DOI-Codi a necessidade de elaboração de um plano
de busca de informes, verificou-se
a possibilidade de instalação de
uma base em Porto Nacional",
anota o relatório. Funcionaria como "um posto avançado no norte
de Goiás".
Fantasiados de funcionários do
Inan (Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição) Bizerril e
Figueiredo passaram 24 horas na
cidade goiana. Recomendaram
que o ninho de espionagem fosse
alojado em imóvel da prefeitura
local, sob fachada falsa de escritório do Inan.
Embora curta, a viagem foi prolífera. Em três laudas e meia de relatório, os espiões se ocupam até
da sexualidade do clero local. Informaram que um padre "é homossexual e coabita com um seminarista". Outro, "é bem conceituado" e deveria "ser recrutado"
como "contato valioso para o Comando Militar do Planalto".
Os quadros da Abin continuam
apinhados de agentes à Bizerril.
Pessoas cujo histórico de "bons
serviços prestados à inteligência
brasileira" dá uma idéia do tamanho da encrenca em que se
transformou o serviço de espionagem oficial. Virou um barco a
três: o primeiro olha para um lado. O segundo rema na direção
oposta. E o capitão finge que não
vê.
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