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JANIO DE FREITAS
O compromisso único
O compromisso que está
sendo cobrado dos candidatos com o FMI é um autoritarismo que não cabe no regime democrático. E que mal se disfarça
sob o falso argumento de defesa
da estabilidade ou conveniência
do país. Candidato do governo,
José Serra pode comprometer-se, e já o fez enfaticamente, com
a extensão, pelo próximo mandato adentro, da política ditada
pelo FMI e por ele duramente
criticada por sete anos e meio.
Aos demais, o regime democrático assegura plena liberdade de
concepções para o próximo
mandato, e qualquer restrição a
esse direito é restrição também
à escolha eleitoral e ato próprio
de regimes autoritários.
O que está por baixo do surto
que acometeu o real, nos últimos dias, não são especuladores
nem são as circunstâncias típicas das campanhas eleitorais.
Isso é o que está por cima. Por
baixo está um país muito enfraquecido, cujas péssimas condições econômicas o tornam absolutamente incapaz de proteger-se seja do que for -crise em remoto país asiático, especulação
de bancos mafiosos, roubo em
empresa nos Estados Unidos, tudo são tufões sobre a mentirosa
estabilidade brasileira.
Nos últimos dias falou-se muito em crise. O Brasil está com
doença crônica, sujeita a surtos
que mais o debilitam. Doença
para a qual só há um remédio:
produção.
Toda a política ditada pelo
FMI e fielmente aplicada pelo
governo consiste, porém, em retrair a produção cada vez mais.
Desde o começo do ano, caem os
pedidos à indústria. Dois exemplos eloquentes: a indústria automobilística, com seus milhares de ramificações industriais e
comerciais, produziu menos
20% no primeiro semestre e,
apesar disso, está com 100 mil
veículos em estoque; a indústria
de transformação de plástico,
das mais ativas dentre todas, está com a ociosidade dos equipamentos aumentada em 100%.
Diante desse agravamento, a
receita seguida pelo governo
conduziu à maior redução dos
financiamentos à exportação, a
prazos de crédito tão mais encurtados que a indústria não os
pode encarar e, claro, à permanência dos juros astronáuticos,
que sufocam as indústrias e, como sobremesa, somam-se à queda geral do poder aquisitivo para afastar o consumidor, reduzindo as vendas do comércio e
estas, a produção industrial.
Com esse círculo vicioso estrangulante, alguma surpresa
com o desemprego e a corrosão
social que provoca, além de
mais empobrecer a Previdência?
Nada provém de uma continência imprevisível, repentina e
inelutável na economia. A
doença do Brasil vem sendo
construída ano a ano, envenenamento diário como nos piores
romances policiais. Além da
realidade óbvia, há números
para retratar a doença e sua
construção incessante. Entediantes embora, alguns têm o
poder de síntese: ao começar o
atual governo, o Brasil tinha o
oitavo PIB do mundo, ou seja, a
soma do que nele é realizado em
um ano, chegando a US$ 546,5
bilhões, só era superado por sete
países. O Brasil encerrou 2001
em 11º lugar, aí pelos US$ 522
bilhões, ultrapassado pela China, pela pequena Espanha e pelo México, que, em 94, ocupava
o 11º hoje brasileiro.
Um pouco mais de síntese expressiva: a dívida externa dobrou, a dívida interna, de R$
59,4 bilhões ao começar o governo, no final do ano passado encostara nos R$ 700 bilhões, com
crescimento de cerca de 1.100%
em sete anos.
O governo que se entendeu tão
bem com o FMI para gerar tal
situação deve, agora, entender-se com ele para dar sobrevida de
cinco meses à sua obra de sete
anos e meio. E nem um dia a
mais. Mesmo José Serra, que já
declarou apoio enfático a um
acordo que desde logo comprometa o futuro eleito com a política do FMI, que renove ele o
acordo, se eleito. E se o país consentir ainda.
Candidatos não têm nem que
conversar com o governo sobre
novo acordo. Sua conversa é
com o eleitorado. E seu compromisso também, para que nenhum faça, depois, o papel daquele que pôs nos dedos a lembrança dos seus compromissos
e, eleito, mandou-os todos àquela parte. Quer dizer, ao FMI.
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