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MERCADO DA SUCESSÃO
Para economista do PT, temor dos investidores estrangeiros se dissipará no dia em que petista assumir
Lula não vai renovar com FMI, diz Mantega
MARCIO AITH
DE WASHINGTON
Nas duas últimas semanas, o
avanço nas pesquisas do pré-candidato do PT à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva,
provocou receio em parte dos investidores internacionais.
O risco-país do Brasil, índice
que mede a chance de um governo dar um calote nos credores,
atingiu seu maior ponto desde dezembro passado, superando o da
Venezuela, cujo presidente, Hugo
Chávez, chegou a ser deposto e
depois reassumiu o cargo.
Dois bancos de Wall Street
(Morgan Stanley e Merrill Lynch)
e dois europeus (ABN Amro Bank
e Santander) recomendaram a
seus clientes que reduzam investimentos em títulos do país. Para
eles, se Lula ficar à frente nas pesquisas, tem chance maior de ganhar as eleições, o que significaria
algum tipo de rompimento com a
política econômica atual.
Para o economista Guido Mantega, principal assessor econômico do PT, o temor dos investidores se dissipará no dia em que Lula começar a governar.
"O risco-país talvez não caia
num ano eleitoral porque sempre
há um pouco mais de nervosismo, mas, uma vez definido o novo governo, apresentada a nova
estratégia, ele tende a cair."
A Folha colheu em Wall Street e
expôs a Mantega as principais dúvidas de analistas financeiros sobre um eventual governo do PT.
Esses analistas defendem seus
relatórios pessimistas e rejeitam
as acusações feitas a eles na última
semana por todos os partidos brasileiros e até pelo presidente Fernando Henrique Cardoso.
Dizem que, apesar do discurso
moderado de Lula, há dúvidas sobre como o partido faria para respeitar suas promessas de manter
a responsabilidade fiscal e o controle de inflação. Ao responder essas dúvidas, Mantega disse que o
PT, caso seja eleito, deseja manter
a estabilidade econômica e honrar com as dívidas do governo.
No entanto, contrariando o que
defendem esses analistas, o economista e assessor do PT propôs
mudanças nos principais pilares
que caracterizaram a gestão econômica do governo FHC: metas
de inflação, superávit primário
das contas públicas e o relacionamento com o FMI.
"Lula não pretende estender o
acordo do Brasil com o Fundo. O
Brasil já é crescidinho para ter um
tutor." Mantega falou à Folha por
telefone na sexta-feira. Leia os
principais trechos da entrevista:
Folha - Os mercados querem saber se, caso eleito, o PT irá manter,
alterar ou abolir a meta de superávit primário das contas públicas.
Guido Mantega - O PT defende a
responsabilidade fiscal, mas vai
exercê-la de outra forma. Um dos
principais problemas fiscais hoje
é a despesa com os juros da dívida. A meta de superávit primário
serve só para pagar os juros. Tivemos em 2001 uma conta de juros
de mais de 8% do PIB e um superávit primário de 3,5%, usado para pagar parte dos juros.
Um dos nossos objetivos é baixar essas taxas de juros e viabilizar
um crescimento maior da economia. Ao mesmo tempo, isso permitiria a redução das despesas
com o serviço da dívida.
Ao cair essa despesa, você não
precisa ter o mesmo superávit primário porque o que interessa é o
conjunto das contas, o conceito
nominal. O que nos interessa é
obter um resultado nominal satisfatório. Não precisa necessariamente haver superávit primário
de 3,5% se você baixou a despesa
de juros para 4% ou 4,5% do PIB.
Folha - O sr. então propõe trocar o
esforço fiscal que o governo faz hoje por um compromisso de não deixar o déficit total subir acima de
um certo percentual do PIB?
Mantega - Sim.
Folha - O sr. imagina que o PT
possa assumir o poder e imediatamente reduzir os juros?
Mantega - Reconheço que não
podemos reduzir a taxa de juros
por mera vontade do BC. Não pode ser um processo artificial. Mas
o nosso BC muitas vezes exagera.
Folha - Já que o sr. admite a hipótese de os juros não poderem ser
reduzidos por vontade própria do
BC, como o sr. faria para controlar o
déficit nominal se as despesas do
governo com juros não forem reduzidas devido a problemas que não
dependem da vontade do BC?
Mantega - Mas aí você está sendo muito pessimista.
Folha - Conforme a lógica de sua
proposta, essa hipótese exigiria a
manutenção de superávits fiscais
primários tão ou mais altos que os
mantidos por FHC para que o déficit nominal seja controlado.
Mantega - Não precisamos ser
tão pessimistas. As contas externas brasileiras podem ser dinamizadas com uma certa rapidez.
Há uma folga nas taxas de juros
que é reconhecida pelo próprio
mercado. O mercado reconhece
que o Brasil tem um risco país
muito elevado. Não há justificativa para que o México, país que
tem déficit comercial, ter um risco
muito inferior ao nosso.
Folha - Por que então o próprio
mercado não reduziu o risco-país
do Brasil? Por que ele está subindo
se o sr. diz que ele deveria cair?
Mantega - Talvez esse risco não
caia em ano eleitoral, quando
sempre há um pouco mais de nervosismo. Mas, uma vez definido
um novo governo, apresentada
uma nova estratégia, dando-se
início às novas medidas, o risco
país começa a cair.
Folha - Hoje, os juros são essenciais para que o governo consiga
captar os recursos para cobrir o déficit em conta corrente.
Mantega - O segredo é reduzir o
déficit em conta corrente. É preciso diminuir a vulnerabilidade
brasileira, o risco-país. Só aí você
vai poder reduzir também os juros. Há que se fazer uma política
de metas de inflação mais realista,
mais eficiente. As metas deveriam
ser mudadas dos atuais 3,5% e
3,25% (em 2002 e 2003) para algo
como 5%. As atuais metas são
inadequadas para o Brasil.
Podem ser boas para países
avançados, mas não para o Brasil.
O BC está mirando errado. Se você propõe uma meta muito baixa,
tem de usar uma taxa de juros
muito alta para atingi-la.
Folha - Há uma aparente contradição no que o sr. está dizendo. O
PT reconhece que a queda do risco-país é fundamental para o processo
de redução dos juros. Mas os investidores - os "donos" da percepção
do risco- dizem que um controle
de inflação menos rígido e o abandono das metas de superávit primário aumentam o risco-país. Como o sr. pretende reduzir o risco-país com medidas contrárias ao
que defendem os investidores?
Mantega - Essa é uma discussão
complexa. Outro dia, o Claudio
Loser [chefe do departamento de
Hemisfério Ocidental do FMI"
soube que eu defendia a substituição da meta de superávit primário
por uma meta de déficit nominal
e concordou [na realidade, Loser
declarou que concordava com a
idéia desde que ficasse esclarecido
como ela seria concretizada". Essa
história de meta de superávit primário é uma invenção feita aqui
para o Brasil. A maioria dos países
usa o conceito de déficit nominal.
Nem se discute. Inventaram essa novidade porque, como o déficit nominal estava estourando
por causa dos juros da dívida, o
governo decidiu focar somente
no superávit primário.
Os investidores vão aceitar a
meta de déficit nominal porque a
aceitam no mundo inteiro.
Folha - Risco é algo percebido pelos investidores, não pelo governo.
Como fazer para eles acreditarem
que esse programa vai funcionar?
Mantega - Eles têm de perceber
que o país fará um esforço para
melhorar as contas externas -o
que não ocorre na atualidade-,
vai melhorar sua situação externa
e o risco-país tem de cair.
Folha - O acordo do Brasil com o
FMI acaba em dezembro. O próximo governo assume no primeiro
dia de janeiro. Os mercados acham
que seria interessante manter esse
acordo como uma espécie de guarda-chuva de credibilidade para o
próximo governo. Qual será a relação de uma eventual administração do PT com o FMI?
Mantega - Não há razão para
prorrogar o acordo. O Brasil não
deve nada ao Fundo é já é crescidinho para ter um tutor. Não precisamos do Fundo.
Folha - Mas e se o Fundo oferecer
um acordo com base no programa
que o sr. está expondo, com metas
de déficit nominal?
Mantega - A conduta do FMI
não tem sido muito eficiente. O
governo do Lula não se submeteria a esse tipo de regra. Mas, se
anunciarmos nossa estratégia, e o
Fundo concordar, tudo bem. O
Fundo pode até ser menos rígido
com um governo petista.
Folha - Qual é a proposta tributária do PT além da reformulação das
alíquotas do Imposto de Renda?
Mantega - O eixo da reforma tributária é substituir um sistema
arcaico, que tributa muito a produção e o assalariado de baixa
renda. É preciso reduzir os impostos que incidem em cascata,
substituindo-os por impostos sobre o valor agregado. É o primeiro
ponto. O segundo é diminuir as
alíquotas iniciais do IR, desonerando faixas salariais mais baixas.
Folha - Como essa proposta traria
trabalho informal à formalidade?
Mantega - É um processo. Se você aumentar o investimento, reduzir taxas de juros, vai ter um
aumento no nível de emprego e,
portanto, da formalização.
Folha - O PT acha que a Receita
Federal arrecada muito impostos
porque tem uma espécie de "volúpia arrecadatória" ou porque há
demandas por gastos difíceis de
atender? Malan diz que é preciso
reduzir a vinculação de receitas públicas às despesas com pessoal,
saúde, previdência e transferências constitucionais para Estados e
Municípios. Elas hoje absorvem
70% da receita. E o PT?
Mantega - A melhor reforma é
aumentar o crescimento do PIB.
Gastos sociais são limitados porque existem gastos com juros. É
preciso melhorar os gastos, reduzindo a corrupção, o clientelismo.
Folha - O sr. defende a manutenção da cobrança da CPMF no início
do governo de Lula?
Mantega - Até 2004 essa prorrogação tem o apoio do PT porque
não se pode suprimir de uma só
vez as receitas da CPMF. Essa
contribuição tem de perder o caráter arrecadatório, mas não esse
tributo precisa ser substituído por
outro, numa reforma tributária.
Folha - O sr. acha que uma reforma tributária exigiria uma reengenharia política no país? O PT defende ou não a alteração de distribuição de receitas entre Estados,
União e Municípios?
Mantega - Há dois anos, a comissão de reforma tributária da
Câmara conseguiu elaborar um
projeto alterando a distribuição
de receitas que era aceitável pela
maioria dos partidos. Mas houve
dificuldades para a aprovação da
fusão entre o ICMS e o IPI num só
imposto. Os governadores têm
medo de perder controle sobre a
sua arrecadação. Agora, teremos
um novo quadro de governadores, teremos de retomar a discussão e ver se ela é viável.
Folha - Que importância que o PT
dá à substituição de importações?
Mantega - O mercado brasileiro
é nosso. Com boas políticas fiscal,
de crédito e de subsídios, conseguiremos desenvolver uma substituição de importações positiva.
Folha - O ministro Malan argumentou que, se fôssemos exigir
que as peças da Embraer fossem
produzidas no Brasil, os aviões não
seriam vendidos em nenhum lugar.
Mantega - Concordo com ele.
Não iríamos deixar de implantar
uma fábrica de aviões só porque é
preciso importar uma parte dos
equipamentos. A Embraer exporta US$ 3 bilhões e importa US$ 1,9
bilhão. Obtém um saldo comercial e é isso o que se quer.
Folha - O México tem um saldo?
Mantega - O México multiplicou
as exportações em dez vezes na
década passada, mas não resolveu
seu problema. Ele importa quase
tudo dos EUA, monta o produto e
exporta. A Embraer tem um valor
agregado importante.
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