|
Texto Anterior | Índice
NO PLANALTO
Brasília se mexe para livrar "filantropia" das aspas
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Existe a filantropia e existe a
"filantropia". Existe o humanitarismo genuíno e existe tudo o que está implícito quando se
diz "filantropia". Nos últimos
quatro meses, para os escassos leitores que frequentaram este canto
de página, o conceito de "filantropia" foi ficando menos vago.
É a caridade aética, é a promiscuidade administrativa, é o
BMW beneficente, é o jatinho caritativo, é a perversão religiosa, é
a isenção tributária sem olhos para a ralé, é a desatenção social do
tucanato, é...
Arrancadas da zona de sombra,
algumas espertezas mobilizaram
o Ministério Público. Abriram-se
inquéritos. Alguns já produziram
resultados. Outros ainda produzirão.
Devagarinho, Brasília vai
abandonando a letargia. Aqui e
ali, tomam-se providências para
tentar livrar a filantropia das aspas que a conspurcam. É de justiça reconhecer o esforço. Embora
incipiente, já se faz digno de nota.
Como se sabe, compete ao
CNAS (Conselho Nacional de Assistência Social) a emissão dos
certificados filantrópicos que
mantêm entidades pseudobeneficentes no mundo encantado da
isenção tributária. Em meio à improvisação que caracteriza a análise de processos, o presidente do
conselho, Antônio Brito, instituiu
um "manual de procedimentos".
Antes do manual, os pedidos de
emissão e renovação de certificados seguiam trilha caótica. Muitos eram homologados sem que
ao menos os conselheiros (nove
do governo e nove de entidades
civis) corressem os olhos pelas páginas dos respectivos processos.
Depois do manual, tenta-se
inaugurar nova fase. Os conselheiros são agora obrigados a relatar lotes de processos, que lhes
chegam às mãos por sorteio. Não
se está diante de antídoto infalível contra a fraude. Mas será
mais fácil vislumbrar rostos e digitais por trás de eventuais desvios.
Alçado ao cargo de ministro da
Previdência em 3 de abril, o técnico José Cechin apressou-se em arrostar o problema. Criou um grupo de correição no CNAS. Vasculham-se processos antigos à cata
de deslizes.
Sob a coordenação de Mário
Germano Borges Filho, procurador de carreira da Previdência, o
grupo criado por Cechin vira do
avesso, entre outros, os casos da
chamada resolução 115, aqui revelados.
Publicada no "Diário Oficial"
de 13 de maio de 99, a resolução
115 indeferiu por atacado os certificados filantrópicos de 55 entidades. Elas recorreram. Escalados
para analisar os recursos, três fiscais do INSS recomendaram a
cassação dos certificados de mais
de 40 entidades.
Súbito, os relatórios dos fiscais
evaporaram. Foram substituídos
por análises que propugnavam o
oposto. Nada menos que 47 das
55 entidades listadas na resolução 115 obtiveram a renovação de
seus certificados.
A lista de afortunados inclui de
pigmeus filantrópicos como a Sociedade Cultural e Social Anjos
Custódios, de Marialva (PR), a gigantes da benemerência do porte
da PUC-SP. O grupo de correição
já descobriu o seguinte:
1) a maioria (40%) da lista assentada na resolução 115 é de entidades católicas;
2) a revisão do indeferimento
dos certificados filantrópicos não
passou pela junta de reconsideração do CNAS, um imperativo legal;
3) compõem a junta de reconsideração o secretário-executivo do
conselho, o coordenador de normas e o chefe do serviço de análise. Mas os documentos levados
aos processos trazem apenas a assinatura da então coordenadora
de normas, Luiza Nogueira. Contém, de resto, a rubrica de pessoa
estranha à estrutura da junta.
Chama-se Maria Tereza Diniz. É
freira. Representava no CNAS,
até o mês passado, a CNBB.
O grupo de correição se reúne
nesta segunda-feira, para decidir
o que fazer. Deve propor ao ministro Cechin que todos os processos da resolução 115 sejam retirados do armário. Serão submetidos a severo reexame.
Farão por opção algo que, cedo
ou tarde, seria feito por pressão. O
caso é investigado também pelo
procurador Jefferson Aparecido
Dias, de Marília. Ele age em combinação com o Ministério Público
de Brasília. Recolheu evidências
que não cheiram bem.
De resto, casos levados à Justiça
vêm merecendo pronta resposta
do CNAS. Por exemplo: o hospital
Sírio Libanês, que dá de ombros
para o SUS, amargou a cassação
de seu certificado filantrópico no
último dia 19 de março. Obteve-o
de volta por força de mandado de
segurança, obtido na 6ª Vara Federal de Brasília. Acionada, a Advocacia Geral da União recorreu
ao Tribunal Regional Federal.
Aguarda-se o julgamento.
O CNAS atravessa quadra propícia à restauração de métodos.
Renovada no mês passado, a representação da sociedade civil ganha sangue novo. A invasão dos
porões da "filantropia" por repentinos e insistentes fachos de
luz parece ter abatido o entusiasmo social de alguns conselheiros.
A freira Maria Tereza Diniz,
por exemplo, deixou o CNAS. A
CNBB a substituiu por Maria Cecília Ziliotto. Pretextando razões
de saúde, Dora Sílvia da Cunha
Bueno também deixou o conselho. Era titular de vaga destinada
à Federação Brasileira das Associações Cristãs de Moços. Entra
em seu lugar Leopoldo Moacir Lima.
Personagem assídua deste canto de página, Dora era veterana
da filantropia. Frequentava o
CNAS havia uma década. Ora como titular, ora como suplente.
Embora tivesse a prerrogativa de
requisitar diligências ao INSS,
gostava de visitar pessoalmente
entidades sobre as quais emitia
pareceres, em geral favoráveis.
Dora é irmã do deputado Cunha Bueno (PPB-SP). Mora em
São Paulo. Possui escritório de
consultoria. Assessora sobretudo
empresas educacionais. São de
sua lavra certos pareceres, digamos, inusitados.
Que o ar fresco introduzido no
CNAS seja convertido em ventania. Que evolua para um vendaval. Que dê origem a um furacão.
Forte o bastante para engolfar a
inércia.
Texto Anterior: Elio Gaspari Índice
|