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Para Luiz Werneck Vianna, o acerto do governo foi a política externa; o deslize, não explicar aos eleitores as razões da continuidade
Lula evitou trilha de Chávez, diz analista
FLÁVIA MARREIRO
DA REDAÇÃO
Continuidade econômica ou racha do país, nos moldes do que
ocorre na Venezuela sob o comando de Hugo Chávez. Para o
cientista político Luiz Werneck
Vianna, 64, do Iuperj (Instituto
Universitário de Pesquisa do Rio
de Janeiro), esse era o restrito
campo de alternativas do governo
Lula nos primeiros cem dias.
Escolhido o caminho da continuidade -visto que a "tempestade", com guerra iminente e ameaça da inflação, estava por vir- e
dando importantes passos na política externa, o deslize petista, segundo ele, foi não explicar aos
eleitores os motivos da mudança
do discurso eleitoral.
Para o presidente da Anpocs
(Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais), a principal novidade
do governo é buscar um plano em
conjunto com a sociedade. Vianna, no entanto, fez ressalvas ao
funcionamento do Conselho de
Desenvolvimento Econômico e
Social, principal ação concreta do
governo junto com a sociedade.
Folha - Qual o balanço que o sr.
faz dos primeiros meses de governo Lula? Qual o principal acerto?
Luiz Werneck Vianna - Faço uma
avaliação positiva. E penso, para
isso, no seguinte: em política tudo
se define pelo principal. Qual o
acontecimento determinante do
rumo do cenário mundial? A
guerra do Iraque. Qual a posição
que o governo tomou? Uma posição inédita, firme, eu diria inédita
entre os governantes da nossa República. A aproximação de Davos
com o Fórum Social de Porto Alegre me pareceu outra bela iniciativa, de modo que eu diria que é absurdamente inesperado que o que
vem marcando a agenda do governo Lula seja mais a questão externa do que a interna, tendo em
vista que o ex-presidente FHC é
um grande especialista na política
externa.
Folha - E o principal erro?
Vianna - Não creio que tenha havido erros. O que os críticos dizem é que, na questão da dimensão sistêmica, este governo é contínuo em relação ao anterior. É
verdade. Não há descontinuidade. Mas pergunto: seria possível
introduzir uma descontinuidade?
E mais: se fosse introduzido, seria
possível ao governo ter a posição
absolutamente avançada que teve
na política externa? Acho que não.
Agora, do ponto de vista interno, falta ao governo apresentar
suas razões. Fizeram uma campanha na qual pregavam a descontinuidade da política econômica do
governo anterior. Vitoriosos, deram continuidade a ela. Por quê?
Folha - O filósofo Mangabeira Unger disse à Folha que o PT traiu
seus eleitores ao governar nesses
moldes. O sr. concorda?
Vianna - Não acho que seja traição. Essa mudança súbita não é
nova. Vou dar um caso. Em 1954,
o Partido Comunista Brasileiro
fazia oposição cerrada a Getúlio
Vargas. No dia do suicídio de Vargas, saiu o jornal do partido com
uma manchete e um editorial
contra Vargas. Quando se soube
do suicídio de Vargas, os militantes do partido percorreram de
banca em banca recolhendo os
jornais. No dia seguinte, o partido
estava refazendo a sua política e
valorizando a herança de Vargas.
Isso em 24 horas. A orientação
não pode ser inflexível.
Se você prepara um navio à vela
para ventos brandos e vem a tempestade, você tem de se ajustar. E
o clima desse começo de governo
era de tempestade. A guerra estava no limiar, a situação econômico-financeira, complicada. Qualquer coisa a inflação voltava. E, se
a inflação volta, em seis meses esse governo estava de quatro, de
joelhos. Acho que eles se adaptaram ao regime do ventos. Qual a
crítica que faço? Eles não terem
apresentado as suas razões. O
PCB, nos anos 50, apresentou:
"Nós estávamos errados, nós fizemos uma avaliação errada, a nossa avaliação agora é a seguinte...".
E isso eles não fizeram.
Folha - O governo foi obrigado a
optar pela continuidade?
Vianna - Acho que a aposta que
se faz é entregar à sociedade a procura de um novo caminho. A proposta de Serra [candidato derrotado à Presidência pelo PSDB", a
proposta de Ciro [candidato à
Presidência pelo PPS" eram muito bem concebidas para intervir
na dimensão sistêmica. Tinham o
problema de se enunciarem de
forma decisionista. Serra dizia:
"Eu sei fazer". Esse decisionismo
não é característica de Lula.
Se ele assumisse uma agenda
decisionista, podia muito facilmente fazer o caminho Hugo
Chávez aqui no Brasil, o que seria
péssimo. Então eu não creio que
seja uma traição. É uma outra forma de procurar as soluções para
esses desafios estruturais que se
impõem diante de nós.
Folha - O governo não tem plano,
ainda estaria na busca por um?
Vianna - O plano é esse: envolver
mais a sociedade. Nós estamos
diante de uma grande novidade.
Getúlio foi um decisionista. Juscelino [Kubitschek (1902-1976)" foi
um decisionista. O que este governo está propondo é muito difícil,
um alternativa novíssima. Você
vai me perguntar se eles vão conseguir. Não sei. Porque inclusive
está lhes faltando apresentar o seu
plano estratégico do ponto de vista da política. A montagem do
Conselho de Desenvolvimento
Econômico e Social, com as grandes corporações do capital e do
trabalho, está orientado para isso.
Folha - O sr. destaca o papel do
CDES, mas ele foi criticado, teve o
tempo de discussão encurtado.
Qual a sua avaliação dele?
Vianna - O conselho podia ter
uma composição mais generosa,
mais bem feita, vem tendo dificuldades de operação. Mas o que não
quer dizer que ele esteja inutilizado. É uma prática muito nova. A
gente deve apostar nela. De qualquer forma, com ela o governo
diz: eu não estou sendo decisionista. É uma saída interessante.
Confio nela. Inteiramente, não,
mas é uma possibilidade.
Folha - Na eleição, o sr. disse que
o centro é agora o local primordial
da política. Os partidos têm a mesma agenda? O governo implanta a
"agenda perdida" de FHC?
Vianna - [As agendas" estão próximas, há continuidade. Mas também não significa que essa continuidade vá durar todo o tempo.
Está se procurando uma alternativa que não seja decisionista. A alternativa deciosinista é Hugo
Chávez. E a alternativa Hugo Chávez desgraça o país. A audiência
internacional que o Brasil tem hoje se deve ao fato de estar conduzindo de forma ajuizada a dimensão sistêmica. Isso é o que os críticos não estão vendo.
Folha - Um dos fatos marcantes
do início de governo foi a violência
no Rio e o assassinato dos juízes.
Qual o efeito para o Judiciário? A
violência será um tema-chave?
Vianna - O Judiciário está bem,
está reagindo. Longe de vulnerar
o Judiciário, esses atentados estão
robustecendo esse poder e também fazendo com que sociedade
conheça melhor qual o papel dele
na vida republicana brasileira.
Quanto ao narcotráfico, não há
nada que uma política inteligente
em muito pouco tempo não possa
resolver. Não creio que isso se torne uma questão tão importante.
Esse problema é circunscrito. O
Brasil não é Colômbia. É mentira.
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