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NO PLANALTO
Governo Lula ganha o primeiro esqueleto
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Foi ao armário o primeiro esqueleto da era Lula. Ruidosa, a
ossada se insurge contra a imagem do vice-presidente José Alencar. Sua empresa, a Coteminas, é
acusada de fraudar o erário.
O caso fora ao arquivo ainda
sob FHC, em 23 de dezembro de
2002. Depois de "investigação"
realizada em ritmo de transição
civilizada. Durou seis dias. Deve-se a ressurreição ao deputado Alberto Goldman. Em 11 de março,
pediu o aprofundamento da apuração.
O ofício recheou escaninhos da
Corregedoria da União por 17
dias. Em 28 de março, o episódio
voltou à sombra, rearquivado.
Agora sob Lula.
A acusação à firma de Alencar
veio de um produtor de algodão
de Mato Grosso. A Folha divulgou-a em 15 de dezembro. A reportagem trouxe farta documentação.
Os papéis mostram que a Coteminas comprou em leilões da Conab lotes de algodão que, na prática, já lhe pertenciam. Rememorando:
1) a Coteminas compra algodão
na fase de plantio. Paga antecipadamente. E recebe o produto depois da colheita;
2) na safra 99/2000, comprou de
empresas de Carlos Newton Bonfim Jr. 16 mil toneladas de algodão. Um dos contratos traz a assinatura de Alencar;
3) posteriormente, a Conab
convocou leilões de algodão. Levou ao martelo lotes de PEP (Prêmio de Escoamento de Produto).
É um agrado monetário do governo, para estimular compradores a
levar a produção até as fábricas;
4) arrematado o prêmio, a Coteminas informou à Conab os nomes dos fornecedores. Entre eles
Carlos Newton Bonfim Jr., o mesmo cuja safra já fora comprada e
paga. Ou seja, "adquiriu" um
produto que já era seu. Só para
beliscar a subvenção oficial;
5) foi ao lixo a filosofia do programa PEP, criado para evitar
encalhes de safra. Desavisada, a
viúva subvencionou quem não
precisava, para escoar um produto que já estava vendido.
Ouvido à época, Josué Gomes
da Silva, filho do vice e gestor da
Coteminas, negou a recompra de
algodão. Confrontado com documentos, admitiu-a. "Não houve
ilegalidade", disse. "Beneficiaram-se todos."
A Coteminas levou o prêmio. O
produtor ficou com o preço mínimo fixado pela Conab - R$ 1,91
por kg de algodão, contra R$ 1,80
recebidos antes. E o governo cumpriu com sua obrigação ao proporcionar "preço justo" ao agricultor.
O argumento se liquefaz nas páginas de uma ação judicial movida pelas empresas de Bonfim Jr.
em 2002. Ali, o agricultor sustenta: foi aos leilões por "exigência"
da Coteminas; participou de venda "fictícia"; passado o pregão,
devolveu integralmente o dinheiro recebido.
Sabe-se que alguém mente. A
versão da Coteminas, fornecida
por Josué Gomes, foi ao processo
como verdade absoluta. A de
Bonfim Jr. não chegou a ser ouvida.
Em 2000, foram ao caixa da firma do vice-presidente da República R$ 9,1 milhões em subvenções do governo. Suspeita-se que
ao menos parte desse dinheiro
talvez seja fruto de um simulacro.
Mas não há quem se interesse
em ouvir o acusador. Não há
quem se disponha a visitar os livros contábeis das empresas. Não
há, enfim, quem ouse zelar pelo
sagrado interesse público.
Fantasia por fantasia, suponha-se que o governo fosse outro. Que
o vice se chamasse Marco Maciel.
Que fabricasse panos. Que um
fornecedor o acusasse de fraudar
leilões públicos. Pobre Maciel. Seria feito em pedaços pelo PT.
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