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BRASIL PROFUNDO
Segundo a CPT, há 25.000 "escravos" no país; há um único registro de condenação definitiva de um fazendeiro
Impunidade alimenta trabalho escravo
ANDRÉA MICHAEL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O ciclo do trabalho escravo no
Brasil chegou ao século 21 alimentado pela impunidade. Na Justiça
Federal existe um único registro
de condenação em sentença definitiva de um fazendeiro. Em fevereiro de 1998, Antonio Barbosa de
Melo foi condenado a doar, mensalmente, durante um semestre,
cinco cestas básicas à CPT (Comissão Pastoral da Terra).
Dono da fazenda Alvorada, em
Água Azul do Norte, no Sul do Pará, Melo ocupa o terceiro lugar na
lista de denúncias da CPT que registra os supostos reincidentes no
crime de manter em suas terras
pessoas em condições análogas à
da escravidão. Foi denunciado
seis vezes nos últimos dez anos.
"Sei que a pena foi leve, mas é
um caso único. Até então, só os
"gatos" eram processados, e não
dava em nada, porque são pagos
pelos fazendeiros para sumir", diz
a procuradora Neide Cardoso,
que levou o fazendeiro à Justiça.
Melo não foi localizado pela Folha. A fiscalização móvel do Ministério do Trabalho esteve na Alvorada no início de março, depois
de receber as denúncias da CPT.
Os fiscais identificaram um trabalhador sem carteira assinada, gerando uma multa de R$ 8 mil.
"Ainda é muito barato praticar
esse crime. O escravismo é um risco que vale a pena correr", diz o
ministro Francisco Fausto, presidente do TST (Tribunal Superior
do Trabalho), que defende uma
legislação mais dura.
Diante da denúncia da CPT de
que há 25.000 "escravos" no país,
Fausto vem trabalhando politicamente para conseguir a aprovação, na Câmara, da Proposta de
Emenda Constitucional que, se
implantada, permitirá a expropriação de terras nas quais for
constatada atividade em condições semelhantes às da servidão.
Em 1997, os fiscais do Ministério do Trabalho flagraram na fazenda Flor da Mata, em São Felix
do Xingu (PA),189 trabalhadores
submetidos a condições análogas
às de escravos: bebendo água no
mesmo córrego em que faziam
suas necessidades, morando em
alojamento de palha, sem registro
legal nem remuneração e vigiados
por capangas armados.
O dono da fazenda, Luiz Pereira
Martins, segundo registros do ministério, já fizera o mesmo em
1994. A Flor da Mata foi desapropriada e hoje dá lugar a um assentamento com 115 famílias.
Martins, que comprara as terras
por R$ 100 mil em 1995, acabou
levando R$ 2,5 milhões do governo por causa da desapropriação.
E ainda hoje não existe uma decisão da Justiça sobre o caso.
Houve um ziguezague processual, muito comum nos casos que
envolvem trabalho escravo. Processado na Justiça Federal, Martins alegou que o foro correto seria a Justiça Estadual.
O prazo para a punição caducar
é de 12 anos. Na prática, pelos
meandros da lei penal, viram seis,
em média, muito por conta do
vaivém federal-estadual.
No último ano, esse conflito gerou decisões judiciais que confirmam a competência da Justiça Federal para casos de caráter criminal e abrem um novo caminho
para morder o bolso dos infratores: ações civis públicas e de indenização por danos morais ao trabalhador, na Justiça Trabalhista.
"Agora, felizmente, podemos
dizer que há tendência de ruptura
dos obstáculos que sustentam a
impunidade", diz o juiz federal
Flávio Dino, integrante da Comissão de Combate ao Trabalho Escravo do Ministério da Justiça.
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