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DO SION AO PLANALTO
Lançado em 10 de fevereiro de 1980, partido mudou discurso, virou grife e perdeu companheiros ao chegar ao poder central
PT, 24, troca ícones por elite pragmática
ROGÉRIO GENTILE
EDITOR-ADJUNTO DE BRASIL
JOSÉ ALBERTO BOMBIG
VIRGILIO ABRANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL
Domingo, 10 de fevereiro de
1980, auditório do tradicional Colégio Sion, em São Paulo. Nascia
ali o PT de Luiz Inácio Lula da Silva, na época presidente apenas do
Sindicato dos Metalúrgicos de
São Bernardo do Campo.
Vinte e quatro anos depois, daquele PT que se apresentava como representante dos "explorados pelo sistema capitalista" em
seu manifesto de fundação, pouca
coisa sobrou. O Partido dos Trabalhadores aparou a barba, incorporou ao seu discurso palavras de
ordem como "contingenciamento" e "ajuste fiscal" e substituiu
boa parte de seus ícones.
Dos 19 membros da primeira
Comissão Executiva Nacional do
PT, formada um ano após o ato de
lançamento da sigla, no Sion, apenas dois integram
o primeiro escalão
do governo Lula,
além do próprio
presidente da República: Olívio
Dutra (ministro
das Cidades), que
por muito pouco
não perdeu o cargo na reforma ministerial de janeiro, e Luiz Dulci
(secretário-geral
da Presidência).
Figuras que estiveram na origem
do partido ou desempenharam papéis importantes
na sua história ficaram pelo caminho, por vontade
própria ou pressionadas pelas circunstâncias.
Casos como os dos sindicalistas
Jacó Bittar e José Cicote, dos sociólogos Chico de Oliveira e Francisco Weffort, do advogado Airton Soares, da ex-prefeita Luiza
Erundina, do ex-deputado federal
Eduardo Jorge e da atriz Bete
Mendes, entre tantos outros.
Dentre os que permaneceram,
há os escanteados da nova ordem
petista, como os economistas Plínio de Arruda Sampaio e Maria
da Conceição Tavares e o antropólogo Luiz Eduardo Soares. E os
"recém-marginalizados" Cristovam Buarque, José Graziano e Benedita da Silva. Durante muitos
anos tidos e apregoados pelo PT
como referências em suas áreas
de atuação, hoje são apenas ex-ministros de Lula.
A sigla -que por orientação do
publicitário Duda
Mendonça estampa e negocia gargantilha banhada
a ouro e seguro de
automóvel em sua
lojinha virtual- é
comandada por
um núcleo reduzido, que, com algumas notórias exceções, na época
da fundação, tinha uma importância apenas relativa no partido
ou nem mesmo o
integrava.
O "superministro" José Dirceu
(Casa Civil), por
exemplo, acabara
de voltar da clandestinidade, beneficiado pela anistia. Na ata de regulamentação do
partido, assinada por cem pessoas
no dia 1º de junho de 1980, identificou-se apenas como "estudante". Sua ascensão no partido foi
precedida por uma longa passagem como assessor parlamentar
da Assembléia Legislativa de São
Paulo, entre 1981 e 1986.
Na época da fundação do PT, o
outro homem forte da gestão Lula, Antonio Palocci Filho (Fazenda), ainda militava na organização de esquerda Libelu, que, aliás,
se opunha à criação do partido.
Palocci entrou no PT em 1981, levado por sua mãe, Antonia. Elegeu-se em 1989 para a Câmara de
Ribeirão Preto e só entrou no núcleo dirigente do PT, de fato, em
2002, quando foi convidado por
Lula para a coordenação do programa de governo de sua campanha, substituindo o prefeito de
Santo André, Celso Daniel, assassinado em janeiro daquele ano.
Membro da nova elite petista,
Palocci é o paladino de um novo
discurso na área econômica. Em
1981, manifesto aprovado pela legenda dizia: "O PT apóia efetivamente [...] as lutas dos movimentos populares contra a política recessiva do regime e sua manifestação mais sentida pelos trabalhadores: o desemprego".
Em 2003, sob uma política fiscal
apertada, o Brasil de Lula, Dirceu
e Palocci cresceu 0,4% (estimativa
extra-oficial) e o desemprego
atingiu 20%, segundo o Dieese
(Departamento Intersindical de
Estudos Sócio-Econômicos).
Na opinião do cientista político
David Fleischer, da UnB (Universidade de Brasília), "a nova elite
do PT não foi recrutada pela ideologia". Segundo ele, o que mais
contou na ascensão dentro da sigla foi o pragmatismo. "Os nomes
que eram referências do PT não estavam preparados
para atuar da maneira pragmática
como o poder exige. Por isso, foram
se afastando",
afirma o cientista
político.
O deputado federal Devanir Ribeiro (PT-SP),
amigo de Lula e
um dos poucos
sindicalistas que
fundaram o partido e hoje se mantêm no círculo do
poder, defende as
transformações
pelas quais a legenda passou.
"Abrimos a nossa cabeça, temos
os mesmos ideais, mas aprendemos muito com as mudanças do
mundo."
José Genoino (SP), atual presidente nacional do partido, costuma referir-se à nova fase com
uma frase de efeito: "O PT mudou, mas não mudou de lado".
O ex-deputado Eduardo Jorge e
o sociólogo Chico de Oliveira possuem outra opinião: "Acho que o
PT foi, é e será nos próximos anos
um importante partido político
para o bem e para o mal do Brasil.
Porém, ao contrário de tempos
anteriores, quando era permeável
à luta de idéias, hoje é controlado
pelo poder econômico, de origem
capitalista, sindical ou de máquinas administrativas. O holerite está destruindo a utopia, está derrotando a esperança", afirmou Jorge na sua carta de despedida da legenda, no ano
passado.
"Na direção do
PT há membros
absolutamente
pragmáticos. As
pessoas que eles
consideram que
têm pensamentos
utópicos acabam
sendo afastadas.
O Tarso Genro
[novo ministro da
Educação de Lula], por exemplo,
disse uma vez que
eu era "quase metafísico'", afirma
Oliveira.
O projeto de poder do PT ficou
explícito em seu
documento de registro na Justiça,
lá em 1980: "O PT
pretende chegar ao governo e à
direção do Estado". Segundo
Fleischer, foi justamente essa meta que fez crescer o pragmatismo
na legenda, com alianças ao centro e à direita, como o PL e o PTB e
até mesmo setores do PFL.
"O partido tem um projeto de
poder. O pragmatismo permite
certas alianças e posturas que
possibilitam o aumento da base
partidária em todo o país."
Os números reforçam a tese.
Em 1980, o PT tinha 26.154 filiados. Hoje, tem 596.336 e administra 201 cidades e quatro Estados.
Nas eleições municipais deste
ano, pretende pelo menos triplicar o número de municípios. Sinal de que o projeto de poder ainda não foi concluído.
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