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ARTIGO
Emergentes se tornam porto seguro
JEROME BOOTH
ESPECIAL PARA O "FINANCIAL TIMES"
A reunião do Grupo dos 7
(G7) neste fim de semana
inevitavelmente terá discutido os
desequilíbrios cambiais e o estado
das economias dos países que o
integram. Um tema que dificilmente chegaria à agenda, porém,
é o risco que as economias do G7
oferecem, hoje em dia, como
principais fontes de instabilidade
para os mercados emergentes.
Em qualquer prazo, excetuados
os mais curtos, os títulos da dívida
de países emergentes são uma
classe robusta de ativos. Até no
mercado de prazo muito curto, os
administradores de fundos da dívida emergente precisam alterar a
composição de suas carteiras com
freqüência mais devido aos riscos
relacionados aos movimentos da
curva dos títulos do Tesouro norte-americano do que por mudanças nos fundamentos dos países
de mercado emergente.
Em um mundo como esse, os
velhos preconceitos no sentido de
que os papéis de dívida emergente envolvem riscos e os mercados
do G7 são relativamente seguros
precisam ser reavaliados.
O primeiro preconceito que
precisa ser desafiado é a preocupação recentemente expressa pelo FMI (Fundo Monetário Internacional), entre outros, quanto a
uma possível e até iminente reversão na dívida emergente depois
de seu forte desempenho em
2003. Isso ajudou a reavivar clichês esgotados quanto a uma suposta alta margem de risco da dívida de emergentes e aos colapsos
que se seguem inevitavelmente a
qualquer corrida de preços. Mas a
realidade mudou desde as ondas
de pânico em relação ao contágio
financeiro nos anos 90.
A dívida dos mercados emergentes é uma classe de ativo que
está amadurecendo e passou por
três grandes mudanças em sua
base de investidores e dinâmica
de mercado nos últimos 20 anos.
A primeira foi a crise mexicana
de 1983, depois da qual o mercado
secundário de títulos da dívida e o
mercado moderno desses papéis
nasceram. A segunda foi o Plano
Brady, sob o qual, a partir do final
dos anos 80, a crise da dívida latino-americana foi resolvida, sob
os auspícios de Nicholas Brady, o
secretário do Tesouro dos Estados Unidos, por meio de planos
de reestruturação lastreados pelos
chamados bônus Brady. Depois
desse período, a liquidez do mercado aumentou consideravelmente e verbas especulativas começaram a ser despejadas no
mercado. A era registrou numerosos casos de contágio financeiro
entre mercados emergentes.
No entanto esse padrão não se
baseava em ligações econômicas
intrínsecas dessas economias,
mas no comportamento dos investidores em Nova York e em
Londres; a maior parte dos vínculos de investimento entre os países em desenvolvimento ocorria
no sentido norte-sul, e não no
sentido sul-sul. Ainda que irracionais, em termos coletivos, a ironia
da situação é que os investidores
tinham forte incentivo para se
comportar de acordo com essa
mentalidade de rebanho, antes
que todo mundo o fizesse.
A desvalorização russa de 1998,
o terceiro grande evento nessa
breve história, fez tudo isso mudar. O choque, que veio se somar
à crise causada pelo colapso do
fundo de investimentos Long
Term Capital Management, foi
suficiente para excluir os investidores especulativos e dar nova
forma à dinâmica geral do mercado. O volume negociado caiu dois
terços, e a fatia de um terço da base de investidores composta por
especuladores caiu para cerca de
5% (e se manteve baixa). A volatilidade do mercado se reduziu à
casa do dígito único. O legado
muito apreciado da irracionalidade coletiva do passado próximo é
que, agora que ela se foi, ninguém
tem incentivos para recriá-la.
Desde então, houve duas crises
sérias, a da desvalorização brasileira em 1999 e a da moratória argentina em 2001. Nos dois casos, o
resto do mercado se recuperou.
Não houve contágio, e os principais riscos agora emanam do G7.
Embora isso tudo seja importante, a razão para que os papéis
da dívida emergente tenham entrado em alta no ano passado tem
pouco a ver com os encantos recentemente descobertos de uma
baixa volatilidade e de um contágio improvável.
As recentes quedas nos mercados de ações dos países desenvolvidos geraram passivos sem cobertura para os fundos de pensão.
Os rendimentos dos dividendos
das ações e os rendimentos dos títulos da dívida dos países desenvolvidos não parecem fortes o
bastante para atingir as metas de
retorno de 8% necessário para cobrir esses passivos. Além disso, as
ações podem se ajustar por baixo,
passando por uma nova queda.
As percepções de risco também
mudaram. A maior parte dos investidores institucionais enfrenta
maior risco nos EUA e na Europa
com as grandes empresas das regiões e os riscos correlacionados
nos mercados de ações e de bônus. A dívida dos países emergentes (títulos soberanos de nações
que não pertencem ao G7) substitui os títulos do Tesouro norte-americano como fonte de segurança e não deve ser mais encarada como investimento de risco.
As alocações dos fundos ocidentais de pensões começaram a
crescer, experimentalmente, cerca de dois anos atrás. A tendência
agora vem se acelerando e pode
durar alguns anos. O contexto
histórico, porém, é crucial para
compreender que os riscos da dívida emergente não derivam do
ágio entre os índices, mas das alocações conservadoras das instituições. Seriam necessários dividendos atraentes das ações norte-americanas ou um rendimento
anual de 8% para os títulos do Tesouro dos Estados Unidos caso se
deseje reverter essa tendência. Isso é improvável por ao menos
mais dois anos.
Jerome Booth é diretor de pesquisa da
Ashmore Investment Management, do
Reino Unido, que administra cerca de
US$ 5 bilhões em títulos da dívida de
países emergentes.
Tradução de Paulo Migliacci
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