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ELEIÇÕES 2002
Conglomerado financeiro dos EUA crê que vitória da oposição não resulte em quebra de contratos
Eleito assumirá em "cenário de estresse", prevê Merrill Lynch
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
O próximo presidente da República, seja quem for, assumirá
suas funções em condições que o
conglomerado financeiro norte-americano Merrill Lynch define
como "cenário de estresse".
Significa que "os recentes problemas econômicos e financeiros
continuarão após as eleições e no
começo da nova administração".
A alternativa para o "cenário estresse" seria o "benigno", mas o
texto elaborado por três economistas da Merrill Lynch aposta
mais no primeiro. Na prática, significa que o
próximo presidente assumirá em
condições econômicas bastante
difíceis, suficientes de fato para
causar estresse.
A análise da Merrill Lynch mantém a conhecida aposta dos agentes de mercado pela candidatura
de José Serra (PSDB), mas faz
uma análise bem mais serena das
duas outras candidaturas principais (Luiz Inácio Lula da Silva, do
PT, e Ciro Gomes, da Frente Trabalhista, já que Anthony Garotinho não foi avaliado).
"Os três principais candidatos
afirmaram de maneira crível sua
crença na importância da estabilidade de preços, do equilíbrio fiscal e do respeito aos contratos",
dizem Marcelo Audi, Felipe Illanes e Miguel Palomino, autores
do texto. Em outros momentos da
campanha, agentes de mercado
usaram o argumento de que a
oposição levaria o país à moratória das dívidas externa ou interna,
ou seja, desrespeitaria contratos.
Agora, no entanto, ao menos
para a Merrill Lynch, a perspectiva é outra: qualquer dos três candidatos analisados que se eleja,
mesmo Serra, fará mudanças na
linha seguida pelo governo Fernando Henrique Cardoso, mas
essa perspectiva não é vista como
o fim do mundo.
A avaliação de que até Serra não
representa exatamente a continuidade e, portanto, poderia ser
também vítima da vulnerabilidade financeira é compartilhada por
outra análise norte-americana sobre o pleito brasileiro, feita pelo
CSIS (Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais), instituto
de pesquisa conservador com sede em Washington.
"José Serra não é um fanático de
liberalização adicional, e um governo chefiado por ele não estaria
inteiramente imune à vulnerabilidade que vai além de quaisquer
intenções iniciais dos candidatos", escreve William Perry, especializado em temas do Hemisfério
Ocidental e que já foi diretor de
assuntos de América Latina no
Conselho de Segurança Nacional
dos EUA. É razoável concluir que
Perry concorda com a Merrill
Lynch em que o "cenário estresse" é o mais provável a ser enfrentado de saída pelo futuro presidente. Afinal, ele diz que, seja
quem for que assuma a Presidência em janeiro, "será obrigado a
equilibrar seu desejo de mudanças de curso com certas realidades
políticas e econômicas".
Setor externo
Para a Merrill Lynch, a principal
mudança de curso, com qualquer
presidente, se dará na área da política econômica externa.
O relatório analisa as propostas
de campanha dos três candidatos
nas áreas de política fiscal (os gastos e receitas do governo), de política monetária (juros, basicamente) e de câmbio, e do setor externo
(as transações entre o Brasil e o
resto do mundo).
Nas duas primeiras, há apenas
nuances menores, na análise da
consultoria, em relação ao que
vem sendo praticado. Mas, na terceira, mesmo Serra marcaria "potencialmente um afastamento da
política atual, que é favorável a
uma alocação de recursos relativamente mais neutra".
Serra, acha a Merrill Lynch,
adotaria propostas de suporte a
certos setores industriais, propostas consideradas "de pobre desempenho na região".
Sobre Ciro, diz que seu programa econômico "parece basear-se
na premissa de que o desenvolvimento econômico do Brasil requer um Estado mais forte que
possa corrigir as atuais injustiças
e debilidades políticas, guiando
("em parceria com o setor privado") a alocação de recursos para a
produção e explicitamente introduzindo redistribuição de renda
em grande escala". Na área externa, o texto é mais crítico: considera "opacos" os mecanismos por
meio dos quais seria dado tratamento preferencial a indústrias e
setores econômicos.
Sobre Lula, a análise também
menciona o fato de que o PT propõe "um Estado mais proativo
para promover crescimento mais
forte, priorizando o setor manufatureiro doméstico e os mercados domésticos de consumo de
massa". Na área externa, a crítica
é ao fato de que "uma política industrial e de comércio ativa pode
ajudar a reduzir gargalos, mas
também abre a porta para maior
intervenção burocrática".
A análise da Merrill Lynch conclui dizendo que, "em um cenário
benigno, nós não esperaríamos
uma significativa mudança de políticas que afetasse diretamente a
estabilidade econômica". O problema é que a consultoria trabalha com o "cenário estresse" e, aí
sim, as propostas de Serra são
consideradas mais adequadas.
Mesmo assim, não há o terrorismo habitual dos agentes de mercado para com os candidatos de
oposição. É verdade que o texto
afirma que "as respostas (da oposição) poderiam não ser plenamente adequadas, gerando um
círculo vicioso de crescente estresse financeiro".
Mas a Merrill Lynch diz acreditar que, "numa situação de crise,
ambos os candidatos de oposição
tendem a entender que lhes falta
margem de manobra e a responder com o tipo certo de políticas".
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