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ENTREVISTA
Para Denis Lerrer Rosenfield, partido precisa enfrentar sua divisão interna para definir caminho que vai seguir
Filósofo aponta falta de coerência no PT
DA REPORTAGEM LOCAL
O PT é um partido que trouxe
uma contribuição fundamental
ao cenário político brasileiro, com
a bandeira da ética, mas que hoje
peca por falta de coerência ao não
fazer uma revisão programática.
A opinião é do filósofo gaúcho
Denis Lerrer Rosenfield, 51, que
está lançando seu primeiro livro
fora do reino estritamente filosófico. "PT na Encruzilhada: Social-Democracia, Demagogia ou Revolução?", (Editora Leitura XXI) é
uma coletânea de ensaios publicados em jornais.
Em sua análise, o filósofo defende que o PT precisa enfrentar a
sua divisão interna para delinear
o caminho que o partido vai seguir, especialmente agora que
tem forte possibilidade de conquistar o governo federal.
Gaúcho, Rosenfield acompanha
de perto a experiência do PT-RS
-que comanda a Prefeitura de
Porto Alegre há 14 anos e o governo estadual há quatro-, da qual é
um crítico feroz. No livro, acusa o
Fórum Social Mundial de saudosista e o Orçamento Participativo
de totalitário. Abaixo, trechos da
entrevista que concedeu por telefone de sua casa em Porto Alegre.
(ALEXANDRA OZORIO DE ALMEIDA)
Folha - O sr. identifica três forças
(o reformismo característico da social-democracia, a demagogia e a
corrente revolucionária) dentro do
PT. Até onde se sabe, a última está
confinada a grupos minoritários do
partido, e a segunda é parte constitutiva da política, ou não? Como o
sr. chegou a essa síntese para descrever o partido?
Denis Lerrer Rosenfield - No livro
"O PT" (Publifolha, 2001), André
Singer assinala que um terço do
PT pertence a correntes revolucionárias, então não são minoritárias. De acordo com a minha
análise, a parte propriamente reformista seria um terço do PT. No
Rio Grande do Sul, a parte revolucionária é a predominante. É um
exemplo muito ilustrativo do que
pode acontecer no país amanhã se
essa corrente chegar ao poder nacionalmente. Todas as lideranças
expressivas do PT nacional, Lula,
José Dirceu [presidente do PT],
fazem reiterados elogios à experiência do Rio Grande do Sul.
Estou de acordo que a demagogia faz parte de todos os partidos.
A tradição partidária brasileira infelizmente utiliza demais a demagogia. Mas tem um tipo de demagogia que é feito para ocultar determinado projeto. No caso do
PT, há um terço revolucionário e
um terço que é sinceramente reformista, com figuras expressivas
na direção nacional, como José
Genoino, em São Paulo, Cristóvão Buarque, no Distrito Federal.
Essa facção reformista do PT poderia até ter afinidade numa eventual aliança com o PSDB. Na prática, é uma social-democracia, como a alemã que galgou o poder no
pós-guerra. O um terço que chamo de demagógico é o que oscila
entre um e outro e que, lá pelas
tantas, vai usar um vocabulário de
tipo revolucionário, mas não tem
uma prática revolucionária.
Folha - O sr. afirma que está ocorrendo um enfraquecimento da autoridade estatal e um dos motivos
seria um enfraquecimento dos partidos políticos. Por quê? Como o sr.
vê o surgimento e a consolidação
do PT na história política do país?
Rosenfield - Eu acho que o PT teve uma contribuição fundamental do ponto de vista da formação
da opinião pública brasileira. Teve também uma contribuição decisiva do ponto de vista do fortalecimento da democracia brasileira,
na medida em que veio a estabelecer critérios que não eram muito
considerados por outros partidos,
como o caso da ética. A única crítica mais rigorosa que eu faço é
pedir coerência do partido.
Se você pega a questão das propinas em Santo André, o PT demorou a investigar. O PT sempre
procura ocultar ou retardar ou
atribuir coisas aos adversários.
Vejamos, no Rio Grande do Sul, a
CPI da Segurança Pública, que
mostrou a vinculação do jogo do
bicho com alas revolucionárias do
PT e uma contribuição decisiva
do ponto de vista do financiamento da campanha do governador do Estado. O PT fez de tudo
para que essa CPI não ocorresse.
Isso é contrário a tudo que o PT
vinha pregando nacionalmente.
O PT teve uma contribuição
fundamental ao dizer que a ética
na política é fundamental do ponto de vista de uma sociedade democrática. Mas agora o critério se
tornou suprapartidário. Acho que
a coerência é fundamental do
ponto de vista da ética na política.
O PT precisa passar por uma efetiva revisão dos seus princípios.
Por exemplo, se hoje considera
que sua posição é reformista, por
que não dizer?
Folha - Mas o que leva o sr. a ver
um enfraquecimento dos partidos?
Rosenfield - Eu teria uma posição um pouco mais matizada em
relação a isso agora. Acho que os
partidos, por um lado, são fracos
no Brasil, mas, por outro lado, de
uma maneira ou de outra estão
conseguindo se estruturar. A
grande crítica que faço é que eles
não têm uma linha programática
clara. Não há nem uma direita
clássica. Duvido que pelo menos
40% dos eleitores brasileiros não
tenham afinidade com propostas
políticas de direita. Isso se a distinção direita-esquerda ainda for
válida. O partido que deveria se
aproximar disso, o PFL, é um partido que tem uma configuração
regional, cresceu e continua fortemente dependente das benesses
do Estado, que é exatamente o
contrário de uma direita clássica.
Por outro lado temos o PSDB, que
deveria ter uma proposta mais no
sentido da social-democracia,
mas oscila nas duas posições. O
PT, que poderia se aproximar de
uma posição social-democrata,
tem também posições revolucionárias ou demagógicas. Não temos uma esquerda realmente renovada nem uma direita clássica.
Folha - Como o sr. vê a política de
alianças do PT nessa eleição? E a
aproximação de Lula com o ex-governador Orestes Quércia e com o
ex-presidente José Sarney? Isso
compromete o discurso pela ética,
eterna bandeira do partido?
Rosenfield - Como disse Clóvis
Rossi em sua coluna na Folha, é a
virgem no bordel -deixou de ser
virgem. A partir do momento em
que o PT se aproxima do PL, do
Quércia, do Sarney, que procura
aliança nessa área, não tem nada a
criticar nos outros partidos. Nesse
sentido, tornou-se um partido como qualquer outro, não obedecendo nenhum princípio programático. É claro que sempre tem o
argumento utilitário, que é um argumento forte -a necessidade de
alianças para vencer. Eu acho que
as pessoas deveriam ter feito revisões conceituais, e não apenas
alianças eleitoreiras. Isso vale para
o PT, mas também para o Ciro e
de uma certa maneira para o Serra. Não vale para o Garotinho
porque ele não conseguiu fazer
alianças. Se você pega o ideário do
PPS do Ciro, no sentido do senador Roberto Freire, é uma proposta de centro-esquerda, mas lá
pelas tantas ele está se aliando
com o PFL, sem nenhum tipo de
revisão conceitual. O próprio
Freire reclamou e foi alijado num
determinado momento. O que
não posso aceitar do ponto de vista intelectual é que a pessoa mude
de programa como muda de roupa. Isso diz respeito não apenas à
coerência do partido, mas àquilo
que a opinião pública pode esperar do partido amanhã.
Folha - O sr. coloca três opções
para Lula, caso ele seja eleito presidente. Na verdade, ele teria apenas
uma saída, a de romper com os revolucionários do partido. Isso ainda não ocorreu, mas decisões como
a aliança PT-PL não deixam claro
que foi esse o caminho escolhido?
Rosenfield - Você teria de perguntar isso para um terço do partido. Um terço do partido por enquanto está silencioso, observando, mantendo uma posição de expectativa, procurando não prejudicar o processo eleitoral. Eles
manifestam claramente sua inconformidade com os rumos que
o PT está tomando, porém não
entram publicamente na discussão porque poderia prejudicar o
partido. Na eventualidade da eleição do Lula, esse um terço vai perguntar qual é a sua fatia do poder.
Folha - O sr. é extremamente crítico em relação ao PT gaúcho. Afirma que "slogans como "um outro
mundo é possível" servem também
para mascarar a incompetência política de governar, como no caso do
Rio Grande do Sul". Dado que o
partido governa Porto Alegre há 14
anos, podemos supor que a população não concorda com o sr.?
Rosenfield - Quando o PT assumiu o poder em Porto Alegre, teve
uma grande ajuda da Constituição, que foi a transferência de recursos para os municípios. Assumiu com o bolso cheio. Quando
instituiu o Orçamento Participativo, as oposições não entendiam
exatamente o que estava acontecendo. Então isso vingou. Nos
dois primeiros mandatos, e, num
certo sentido, no terceiro, o PT teve uma prática social-democrata.
Com recursos, conseguiu fazer
uma política socialmente distributiva, produziu muitos bons resultados. Nos últimos anos, ao
mesmo tempo em que o Orçamento Participativo evoluiu de
uma postura mais anarquista para uma burocratizada, a administração está derivando para uma
postura mais esquerdista.
Folha - O sr. se propôs a escrever
um livro sobre o PT nacional, mas
não menciona a administração petista no Acre, onde o governador,
Jorge Viana, lidera as pesquisas, ou
os governos de Mato Grosso do Sul,
Amapá e do Rio. Por quê?
Rosenfield - Você tem razão,
mas eu gostaria de defender um
ponto da minha posição. No livro,
analiso muito o discurso do PT
nacional. Recorro à experiência
gaúcha por duas razões. Em primeiro lugar porque o Lula e outros dirigentes disseram que o Rio
Grande do Sul é vitrine nacional,
mas nunca disseram que o Zeca
do PT é vitrine nacional. Estou me
referindo ao discurso do partido.
E o único lugar em que foi tentado
um projeto revolucionário é o Rio
Grande do Sul.
Folha - Isso é representativo de
todas as administrações petistas?
Rosenfield - Eu não disse que todas as administrações petistas são
revolucionárias. Não estou tratando de municípios, estou tratando de Estados. Quando passamos da esfera estadual para a municipal, há duas coisas que são diferentes: o poder das polícias militar, civil e o Poder Judiciário estadual. Portanto, essa experiência
mostra algo diferente. Quando
você muda para a esfera federal,
isso é muito mais complexo. Por
isso que eu acho que um esclarecimento desse ponto de vista do PT
é urgente e necessário.
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