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NO PLANALTO
Legado de FHC inclui vistoso abacaxi educacional
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O legado de FHC não é
doce. Faça-se, porém, justiça: os relatórios entregues à
equipe de Lula apresentam o
pior da melhor maneira possível. Abacaxis ácidos ganham,
por vezes, a aparência de morangos.
O Ministério da Educação é
um pomar que orgulha o tucanato. Pois mesmo ali há frutos
acerbos. Um deles não mereceu,
por ora, a atenção do PT. Chama-se escândalo das escolas técnicas.
Brotou e floresceu sob Paulo
Renato. Terá de ser descascado
pelo sucessor. Está em Belém o
pé mais vistoso do problema.
Mas há mudas espalhadas pelo
país.
Recomenda-se ao PT que esqueça os edulcorados papéis da
transição. Melhor requisitar o
relatório 87.863 da Controladoria Geral da União, órgão da
Presidência. É fresco como fruta
de época. Foi fechado em 24 de
setembro.
Traz o resultado de auditoria
realizada no Cefet (Centro Federal de Educação Tecnológica)
do Pará. O caso foi esboçado
aqui, nove meses atrás. Passado
a limpo pelos auditores, resultou num quadro imundo.
O Cefet/PA tem cerca de 7.000
alunos. É custeado pelas arcas
públicas. Um dos malfeitos listados aqui em 3 de março foi a
criação de uma espécie de "bolsa-avacalhação". Dinheiro que
escorria de contas da escola para contas particulares.
Entre os beneficiários estavam dois auxiliares de Paulo
Renato: Ruy Leite Berger Filho,
chefe da secretaria incumbida
de supervisionar as escolas técnicas; e Manoel Mendes de Oliveira, coordenador de Planejamento da mesma repartição.
Sabia-se que, na conta de Ruy
Berger, pingara depósito mixuruca: R$ 5.000. "Não era para
ter nada", reconheceu Berger
na ocasião. Na conta de Manoel
Mendes foram borrifados três
depósitos: R$ 8.000 no total.
Afastaram-se de suas funções.
O Ministério Público e a Controladoria da União aprofundaram as investigações. Foi descerrado o sigilo bancário da escola e dos funcionários.
Descobriu-se que, embora tivesse recebido salários de R$
274 mil nos últimos cinco anos,
Ruy Berger movimentou em
sua conta R$ 755 mil -R$
39.500 vieram do Cefet/PA. O
repórter tenta encontrá-lo, sem
sucesso, desde quarta-feira.
Os proventos de Manoel Mendes somaram R$ 546 mil no
mesmo período. Por sua conta
escoaram R$ 2,2 milhões -R$
33.350 vindos da escola paraense.
Localizado, Mendes disse que
pagou por serviços que terceiros
prestaram ao Cefet/PA. E foi
"ressarcido". Daí os depósitos.
Mais não quis dizer. Conversaria com o advogado. Ligaria de
volta. Não ligou.
"Há fortes indícios de que tais
movimentações possam configurar improbidade administrativa por desvio de recursos públicos", anota o texto da auditoria.
Além de Ruy Berger e Manoel
Mendes, outros nove funcionários e ex-funcionários do MEC
penduraram-se à "bolsa-avacalhação". Juntos, beliscaram R$
294 mil.
Os auditores contabilizaram
o naco já documentado da malfeitoria: R$ 4,5 milhões. Há de
tudo, de notas frias a contas
bancárias paralelas, desconectadas do Siafi, o sistema eletrônico de monitoramento dos
gastos governamentais.
O relatório menciona também outras despesas que, por
malcheirosas, encontram-se sob
análise: R$ 7 milhões. Tudo somado, o ananás do Pará pode
custar R$ 11,5 milhões. É metade do orçamento anual da escola (R$ 24 milhões).
Colecionaram-se indícios de
que o ambiente de casa-da-mãe-joana se repete em outros
Estados. O MEC mantém rede
de 72 escolas técnicas e agrotécnicas. Os sinais de contas carunchadas vêm de locais variados, do Piauí a Mato Grosso.
Decidiu-se ampliar a investigação. Trabalho minucioso, demorado. Encrenca para meados
de 2003. Mobilizará um time de
procuradores da República.
Em janeiro, o ministro petista
da Educação terá de indicar novo diretor para o Cefet/PA. Há
uma lista com três nomes, escolhidos em eleição: Edson Ary
Fontes, Arenales Faustino dos
Santos e Carlos Alberto Mota.
Edson recebeu R$ 35.500 desviados do Cefet. "É pagamento
de projetos que fiz para escola
como engenheiro." Recebe gratificação salarial irregular. "Entrei na Justiça e obtive vitória
em liminar."
Diretor de Ensino, Arenales é
associado a irregularidades administrativas. "Assumi o posto
em maio. Não posso responder
pelo que houve antes." Sem diploma universitário, seu irmão
foi contratado como professor.
"Fez concurso e passou. Não tomei parte." Recebe gratificação
micada. "Responsabilidade de
quem concedeu. Era algo generalizado. Não fui ouvido."
Carlos Alberto, o terceiro candidato a diretor, tem no contracheque um adicional de periculosidade. Que recebeu mesmo
nos cinco anos em que fez doutorado em Santa Catarina.
"Quando saí, pedi autorização.
Caberia aos setores competentes dizer que gratificações eu deveria manter ou não."
Chama-se Sérgio Cabeça Braz
o ex-diretor do Cefet/PA cuja
gestão está sob questionamento. Comandou a escola por impressionantes 18 anos. Só Paulo
Renato o reconduziu ao posto
duas vezes. Afastou-o depois do
que aqui se revelou em 3 de
março. Determinou a abertura
de processo administrativo disciplinar.
Sérgio Cabeça obteve liminar
judicial sustando o processo.
Prossegue, porém, o trabalho do
Ministério Público e da Controladoria da União. O repórter
não o localizou. Ligou seis vezes
para o advogado dele, Inocêncio Mártires Coelho Jr. Deixou
recados que não foram respondidos.
Procurado, Paulo Renato preferiu guardar silêncio. Em oito
anos de gestão, não conseguiu
enxergar o opulento abacaxi
que vicejava no seu quintal. A
esta altura, melhor mesmo tentar agir do que falar.
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