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PÚBLICO X PRIVADO
Esquema milionário surpreende mercado; para especialistas, objetivo seria a revenda de concessões
Deputado gasta R$ 50 mi em compra de TVs
ELVIRA LOBATO
DA SUCURSAL DO RIO
O deputado federal João Caldas,
presidente regional do PL em Alagoas, está por trás das empresas
Rádio e TV Caldas e Rádio e TV
Schappo, que surpreenderam o
mercado de radiodifusão, na semana passada, ao oferecer R$ 24,4
milhões por uma concessão de
TV em Campinas e R$ 16,7 milhões por uma concessão de TV
em Jundiaí, no interior de São
Paulo, em licitações públicas do
Ministério das Comunicações.
As cifras referem-se a valores de
junho de 2001, quando as propostas foram entregues. Com a correção pelo IGP-DI, adotada pelo
ministério, os valores sobem para
R$ 29,9 milhões e para R$ 20,5 milhões, respectivamente, o que dá
um valor total de R$ 50,4 milhões
atualizados.
Empresas grandes, como o SBT
e a Bandeirantes, participaram
das licitações e foram derrotadas
pelo grupo do deputado.
Mais surpreendente ainda é o
esquema que foi usado na criação
das empresas.
Elas foram abertas em nome de
assessores do parlamentar, remunerados pela Câmara, e de pessoas humildes, que figuram como
acionistas minoritários. Os contratos sociais são idênticos e foram registrados no mesmo dia, e
no mesmo cartório, em Paracatu,
Minas Gerais, próximo da divisa
com Goiás.
As testemunhas que aparecem
nos contratos são também ligadas
a João Caldas, mas ele próprio
não aparece na documentação. O
parlamentar já tem cinco rádios e
uma TV educativa em Alagoas,
em nome da Fundação Quilombo, registrada em nome de outra
assessora paga pela Câmara: Maria Betânia Botelho Alves, secretária do escritório dele em Maceió.
Licitações
Há indícios de que o grupo tem
pretensões nacionais, pois as empresas que venceram as licitações
no interior de São Paulo vêm disputando concorrências em vários
Estados.
A Rádio e TV Schappo entrou
em 42 licitações e já levou uma TV
em Parnaíba (Piauí) e duas rádios
FM no interior de Alagoas, fora a
TV de Jundiaí.
A Rádio e TV Caldas participa
de 29 concorrências, a maioria está em fase de habilitação ou de
classificação.
A TV Caldas traz o sobrenome
do deputado em sua razão social,
mas está registrada em nome das
irmãs Lara de Araújo Amorim
-acionista majoritária, com 90%
das cotas- e Laís de Araújo
Amorim, de Maceió.
Segundo a administração da
Câmara dos Deputados, Lara trabalha para a liderança do PL e faz
parte dos assalariados que ocupam cargos em comissão. Ela estaria a serviço do partido em Alagoas. A liderança do PL não informou o salário da assessora nem
seu local de trabalho, alegando sigilo funcional.
A Rádio e TV Schappo, por sua
vez, está registrada em nome do
assessor parlamentar Evandro José Schappo, lotado no gabinete de
deputado em Brasília. Segundo a
Câmara, ele é assessor nível 26. O
salário bruto correspondente a esta faixa é de R$ 2.587,00 mensais.
A exemplo de Lara Amorim,
Schappo é o sócio majoritário,
com 90% das cotas. Os 10% restantes estão em nome de Simony
Oliveira Martins, professora particular na pequena cidade de Unaí
(MG). Ela entrou na história pelas
mãos do pai, o técnico em eletrônica Sebastião Cândido Júnior,
que presta serviços a empresas de
rádio.
Procurada pela Folha, a moça
limitou-se a dar o número do telefone do pai, que, segundo ela, é
seu procurador no negócio.
Na avaliação de empresários e
de especialistas em radiodifusão,
a quantidade de licitações disputadas pelo grupo e a diversidade
de locais de interesse indicam que
o objetivo seria o de revender as
licenças ou parte das cotas das
empresas no mercado. Empresas
derrotadas nas licitação já teriam,
inclusive, recebido sinais nesse
sentido.
167 vezes mais
A licitação de Campinas foi disputada por 18 empresas. O edital
estabelecia o preço mínimo de R$
146.006,00 pela outorga, mas a TV
Schappo multiplicou este valor
por 167 vezes. Houve grande divergência quanto ao valor da concessão. As ofertas variaram de R$
1,8 milhão aos R$ 24,4 milhões da
proposta vencedora. A Bandeirantes ofereceu R$ 2,1 milhões e o
SBT, R$ 12,7 milhões.
O fenômeno se repetiu na licitação de Jundiaí, que teve 23 participantes. O preço mínimo era de R$
364.032,00 e as propostas foram
de R$ 801 mil aos R$ 16,7 milhões
oferecidos pela TV Caldas.
Segundo especialistas, a concessão de Campinas saiu pelo maior
preço já registrado em licitações
públicas de radiodifusão.
Para se ter uma idéia de comparação, o grupo Traffic pagou R$
100 milhões à família Marinho
por 90% do capital de três empresas de TV, afiliadas da Globo, no
interior de São Paulo: Sorocaba,
Bauru e São José do Rio Preto.
A comissão de licitações não
questionou a capacidade financeira dos sócios da Rádio e TV
Caldas para honrar um compromisso tão alto.
Se os membros da comissão tivessem telefonado para a sede da
empresa, em Paracatu, teriam
descoberto que o endereço corresponde à casa do mecânico Pedro Antônio Morais Moura e de
sua mulher Gislane Lima Porto,
auxiliar de escritório.
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