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DE OLHOS ABERTOS
Escândalo com juízes renova debate sobre fiscalização do Poder
Na fila há 11 anos, reforma
do Judiciário ganha fôlego
SILVANA DE FREITAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A criação de um órgão destinado a fiscalizar as atividades do Poder Judiciário voltou à agenda política do país na esteira dos escândalos envolvendo juízes em São
Paulo. Magistrados terão suas atividades controladas por um conselho, cujo formato e atribuições
ainda são motivo de muitas divergências, a partir do momento em
que for aprovada no Congresso a
reforma do Judiciário.
A expectativa do senador José
Jorge (PFL-PE), relator da emenda constitucional que altera a estrutura da Justiça brasileira e modifica atribuições, é que ela seja
promulgada ainda no primeiro
semestre de 2004.
Essa reforma arrasta-se no Congresso há 11 anos. A Operação
Anaconda, que deixou sob suspeita a conduta de pelo menos
três juízes federais em São Paulo
-João Carlos da Rocha Mattos e
os irmãos Ali e Casem Mazloum- deve apressá-la.
Até mesmo os próprios juízes
consideram essencial a criação do
Conselho Nacional de Justiça,
porque entendem que, ao punir
maus magistrados, ele evitará que
se macule a imagem da Justiça.
Foram os próprios magistrados
que barraram, por meio de forte
lobby, a criação desse conselho na
Constituinte, em 1987 e 1988, de
acordo com o registro do ex-presidente da Associação dos Juízes
Federais do Brasil Flávio Dino. O
fato está registrado em livro.
Ele também cita a experiência
de quatro países que já têm um
órgão central de fiscalização do
Judiciário -Argentina, Itália, Espanha e Portugal.
"No Brasil, a reforma do Judiciário nunca foi prioridade política para os partidos e para o governo, e há muitas divergências internas na magistratura sobre diversos pontos, o que impediu até
agora a sua aprovação", informa
o ex-presidente da associação.
Controle externo
O consenso está limitado à criação do conselho. Há muita divergência entre o governo e o Judiciário sobre o controle externo,
ou seja, a participação de pessoas
"estranhas" à Justiça, como cidadãos indicados pelo Congresso.
Outro ponto polêmico é o poder
do conselho de punir maus juízes
com a perda do cargo.
Em abril deste ano, o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva provocou uma crise entre os Poderes
quando criticou a existência de
uma "caixa-preta" na Judiciário.
Desde então, esse tema não saiu
mais da agenda política.
O parecer da deputada Zulaiê
Cobra (PSDB-SP), que foi aprovado pela Câmara e hoje está em tramitação no Senado, prevê um
conselho composto por 15 membros: nove juízes, dois representantes da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), dois membros
do Ministério Público e dois cidadãos, um indicado pela Câmara e
outro, pelo Senado.
No Judiciário, as resistências ao
controle externo estão presentes
principalmente na sua cúpula.
O vice-presidente do TST (Tribunal Superior do Trabalho), ministro Vantuil Abdala, afirmou
recentemente, em entrevista à TV
Justiça, que considera esse tipo de
controle "extremamente perigoso" porque poderá interferir na
atuação julgadora do juiz. A idéia
é que, sujeito a eventuais pressões
políticas, o magistrado deixaria
de julgar com isenção.
É certo que o conselho não poderá fiscalizar decisões judiciais.
Deverá controlar atividades administrativas e a execução de orçamentos para evitar a repetição
de escândalos como o da construção do novo fórum do Tribunal
Regional do Trabalho de São Paulo, obra da qual teriam sido desviados mais de R$ 169 milhões.
O presidente do STF (Supremo
Tribunal Federal), ministro Maurício Corrêa, hoje é contrário ao
controle externo, embora o tenha
defendido como senador, durante o Congresso constituinte.
O presidente do STJ (Superior
Tribunal de Justiça), ministro Nilson Naves, opõe-se até mesmo à
participação de advogados e procuradores. Para ele, o conselho
deveria ter apenas sete juízes.
No governo federal, a pressão é
no sentido inverso. "Entendemos
que a participação da cidadania
deve ser a mais ampla possível",
afirma o secretário da reforma do
Judiciário do Ministério da Justiça, Sérgio Renault.
Para ele, o conselho previsto na
proposta que tramita no Congresso Nacional não é o ideal, mas é
satisfatório e conveniente porque
poderia entrar rapidamente em
vigor. Como já foi apreciado na
Câmara, para vigorar bastaria a
sua aprovação no Senado, sem alteração nesse dispositivo.
Versão
A proposta da deputada Zulaiê
Cobra chegou a receber outra versão, redigida pelo ex-senador Bernardo Cabral, mas ela saiu da
pauta do plenário no final do ano
passado, depois da eleição de Lula
e após seus auxiliares terem anunciado que queriam reiniciar essa
reforma da estaca zero.
A fiscalização hoje existente é
dispersa e ineficaz. Quando um
magistrado tem a sua conduta sob
suspeita, são os próprios colegas
que o julgam e decidem sobre o
seu afastamento.
Neste ano, essa situação ocorreu
em dois tribunais: o Superior Tribunal de Justiça, que afastou o ministro Vicente Leal, e o Tribunal
Regional Federal da 1ª Região, em
relação ao desembargador federal
Eustáquio da Silveira.
Os dois são acusados de atuar
em esquema de venda de habeas
corpus para traficantes de drogas.
Tanto Leal quanto Silveira negam
a acusação.
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