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NO PLANALTO
Lula, de espionado a chefe da arapongagem militar
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
FHC franqueou os armários da Esplanada ao PT. Se
a gentileza for extensiva às gavetas do Exército, Lula poderia
requisitar papéis da "inteligência" militar. Recomenda-se que
comece pelo "Relatório Especial
de Informações 003".
Foi redigido na gestão do
companheiro Itamar Franco. É
fruto de bisbilhotice praticada
em encontro do PT, de 11 a 13 de
junho de 93. Assina-o o general
Jaime José Juraszek, então chefe
do Centro de Inteligência do
Exército.
Moído na disputa com Collor,
Lula caminhava para o segundo
cadafalso eleitoral. Grávido do
real, FHC gestava a moeda que
o levaria à Presidência. O relatório 003 imprimiu sobre esse
pano de fundo a imagem de um
PT revolucionário.
Nas palavras de Juraszek, a sigla experimentaria "uma guinada comportamental, de nível
ainda imprevisível, porém, seguramente, mais próxima da
ideologia marxista-leninista do
que da visão social-democrata
(...)" Um detalhe represaria a
radicalização: apesar do "sectarismo ideológico reinante", o PT
evitaria ações que pudessem
"inspirar desconfiança no eleitorado".
Munido das informações colhidas pelos espias, Juraszek tirou as suas próprias confusões.
Como profeta, revelou-se ótimo
general. Mimetizando o noticiário dos jornais, superfaturou a
relevância das alas radicais do
PT. E não viu o "Lulinha paz e
amor" que se insinuava nos desvãos de um discurso anexado ao
relatório confidencial do Exército.
Em meio à defesa de teses como a de dar um chega-pra-lá no
FMI, Lula falou à espionada
platéia petista sobre a necessidade de "conversar com os empresários", de estabelecer "uma
política de alianças", de se aproximar dos "segmentos que não
são apenas do PT". Citou, entre
outros, o PMDB.
Lendo Juraszek, Lula talvez
conclua que em nenhum outro
lugar a transição será tão delicada quanto nos porões da chamada Segunda Seção das Forças Armadas. Ali funciona a
máquina de espionagem militar. Uma engrenagem que parece tê-lo congelado num quadro
com moldura de estilo retrô.
Na década de 90, a cúpula militar concluiu que, submetidas
ao ambiente de abertura política, as estratégias de "inteligência" tinham de tomar uma lufada de ar fresco. Os arquivos
guardavam muito "lixo". Em
92, iniciou-se um processo de reformulação. Que avança a passos de tartaruga manca.
Sob FHC, houve notável modernização vocabular. Lula, o
PT e seus aliados históricos
-MST e CUT, por exemplo-
passaram da categoria de "subversivos" à de "forças adversas".
Preservou-se o tom ideológico
que envenena os arquivos. A
usina de "lixo" continuou processando textos como o do general Juraszek.
Uma semana antes das eleições produziu-se em São Paulo
informe alertando para o "risco" de vitória de Lula. É leitura
obrigatória para petistas. Previu-se para 2003 uma onda de
"conturbação social". Encolhidas por tática eleitoral, organizações sociais ligadas ao PT voltariam à boca do palco.
As urnas injetaram no submundo da "inteligência" uma
perturbadora novidade. O "inimigo" virou comandante-em-chefe. De espionado, Lula converteu-se em cliente preferencial
do relatos dos espiões. Sinal dos
tempos.
Um estrepitoso burburinho
desenrola-se na Segunda Seção.
Observadores pessimistas identificam no rumor uma fonte de
problemas. Espectadores otimistas acham que o murmúrio prenuncia boas novas. Estaria nascendo, a fórceps, uma "inteligência" apartidária, não-ideologizada.
Realizou-se na semana passada, no Congresso, um seminário
sobre o tema. Abriu-o o general
Alberto Cardoso, coordenador
do Sisbin (Sistema Brasileiro de
Inteligência). Citou FHC como
"grande inspirador da obra de
renovação da atividade de inteligência no Brasil", cujas ações
pautam-se por "valores éticos,
princípios constitucionais e preceitos democráticos".
A prática, porém, desafia a retórica. A Folha revelou, em
agosto de 2001, documentos que
expõem um serviço de "inteligência" disposto a "arranhar direitos dos cidadãos, numa espécie de arbítrio necessário". Tudo
em nome da hipotética manutenção da ordem pública. "Movimentos populares como o
MST" foram equiparados ao
narcotráfico e ao crime organizado.
Em nota oficial, o Exército
prometeu apurar "eventuais
transgressões". Comprometeu-se a adotar "imprescindíveis
correções". O texto fez aniversário de um ano no último dia 7
de agosto. E não há notícia de
"transgressões" apuradas. Tampouco de "correções" adotadas.
Um governo sem serviço de
"inteligência" é algo inconcebível. Mas a sobrevivência de uma
espionagem enviesada, com direito adquirido à irresponsabilidade, é intolerável. Quem sabe
Lula, o "esquerdista", endireita
a coisa.
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