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NO PLANALTO
Briga de ministro com juiz fere o seu bolso
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Ele não se compraz no silêncio. Tem logorréia. Fala a
bandeiras despregadas. Em 99,
por mal dos pecados, tropeçou na
língua.
Murmurou contra uma decisão
judicial. A queixa foi aos jornais.
Lendo-os, o autor da sentença subiu nas tamancas. Ficou tiririca.
Luiz Carlos Bresser Pereira era
ministro da Ciência e Tecnologia
de FHC. Tachou de "irresponsável" um juiz que traz a prudência
injetada no nome.
Antônio Souza Prudente proibira o governo de liberar o plantio
comercial de soja transgênica.
Exigira a realização de prévio estudo de impacto ambiental.
A sentença entremeou respeitáveis argumentos técnicos com um
vaticínio de contornos sinistros. A
certa altura, o texto do juiz Prudente praguejou:
"Creio que a velocidade irresponsável que se pretende imprimir nos avanços da engenharia
genética [...], guiada pela desregulamentação gananciosa da globalização econômica, poderá gestar, nos albores do novo milênio,
uma esquisita civilização de
"aliens hospedeiros", com fisionomia peçonhenta, a comprometer
[...] a sobrevivência das futuras
gerações de nosso planeta".
"Uma tolice", espinafrou Bresser à época. "Depõe contra o Judiciário." O juiz Prudente enxergou
no cutucão grave ofensa à sua
honra de magistrado.
Em passado remoto, a coisa teria desfecho simples. O juiz desafiaria o ministro para um duelo. E
o ultraje seria lavado na ponta da
espada ou no cano da pistola.
Mas os tempos são outros. E
Prudente preferiu arrastar o rival
imprudente às barras dos tribunais. Uma arena mais conveniente.
Coube ao juiz Francisco Neves
da Cunha resolver a quizila. Em
decisão de 2000, ainda inédita, ele
tomou as dores do colega.
"Nos tempos atuais, já não cabe
mais lavar a honra com sangue",
anotou. "Isso não quer dizer que
a honra possa ser ultrajada ou
ofendida sem que o indivíduo
possa reagir [...]."
Considerou "provados os sofrimentos morais" impostos a Prudente. Suplício agravado pela
condição intelectual da vítima.
"Pessoas instruídas, portadoras
de certa cultura, são insofismavelmente mais sensíveis à dor e ao
sofrimento."
Neves da Cunha traduziu em
cifras o dano "de grande monta"
infligido ao colega. Orçou-o em
R$ 283.968, mais 10% relativos
aos honorários advocatícios.
Os comentários desairosos de
Bresser ecoaram num ambiente
insuspeito: o bolso do contribuinte. Sim, caro leitor, quem vai pagar pela restauração da honra de
Prudente é você.
Citando a Constituição, Neves
da Cunha entendeu que o governo é responsável pelos atos de seus
agentes. De Bresser não se cobrou
nem mesmo explicação.
Os advogados da União recorreram. E perderam em todas as
instâncias. Em 2002, esgotaram-se as possibilidades de recurso.
Sujeita a correções, a reparação
da honra de Prudente galopa no
trote dos índices inflacionários.
Em documento de novembro de
2002, a Advocacia da União se
deu por vencida. O débito somava
então R$ 438.972,88.
Em julho de 2003, emitiu-se o
precatório. É como são chamadas
as ordens de pagamento no serviço público. Anota o valor com nova atualização monetária.
Corrigida, a honra do juiz Prudente já valia R$ 501.982,22. Reza
a lei que a dívida precisa ser paga
em 2004, mediante nova atualização. Maior a demora, maior o
desembolso.
Enquanto o "duelo" era decidido, os transgênicos foram se achegando às gôndolas dos supermercados. Com uma ração franciscana de conhecimento sobre alimentos geneticamente modificados, o brasileiro os consome sem
se dar conta.
Não há notícia do surgimento
de nenhuma legião de "aliens".
Os seres de "fisionomia peçonhenta" só existem, por ora, nas
letras do juiz Prudente.
Quanto a Bresser, embora fisgado pela boca, livrou-se de boa. O
anzol foi acomodado nos lábios
do contribuinte, convertido em
réu do pior tipo. Desavisado e involuntário. Vai pagar, veja você,
pela língua do Bresser.
Prestação de contas um: aqui se
noticiou, em fevereiro, a fragilidade dos arquivos eletrônicos da
Procuradoria da Fazenda Nacional. Armazenam os dados da dívida ativa da União. Têm a porosidade dos queijos suíços. Listaram-se casos de eliminação fraudulenta de dívidas milionárias. O
governo assegurou que seus computadores eram seguros. Parola.
Em 1º de abril, o Ministério da
Fazenda publicou no "Diário Oficial" portaria que institui a "senha de supervisão".
O acesso à rede da dívida ativa
terá de ser autorizado diariamente pelos procuradores-chefes da
Fazenda Nacional. Não resolve o
problema. Mas dificulta a vida
dos malfeitores.
Prestação de contas dois: aqui
também foram noticiados desvios
monetários praticados sob FHC
no Cefet/PA (Centro Federal de
Educação Tecnológica do Pará).
Esquema com ramificação em
Brasília. Prejuízo que roça a casa
dos R$ 10 milhões. Confrontado
com o "desvioduto", o governo do
ex-PT movia-se em ritmo de tartaruga manca. Em 19 de março,
foram ao "Diário Oficial" cassações de aposentadorias e demissões de quatro servidores. Entre
eles Manoel Mendes de Oliveira e
Ruy Berger, do MEC. Alvíssaras.
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