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ENERGIA POLÍTICA
Oppenheimer diz que tratado de não-proliferação é desigual
Para especialista, pressão
dos americanos é "estranha"
FÁBIO ZANINI
FREE-LANCE PARA A FOLHA, EM LONDRES
A atitude do governo americano
de pressionar o Brasil, um aliado
histórico que eliminou seu programa de armas nucleares há
mais de uma década, para que
aceite inspeções mais rigorosas é
"estranha", diz Andrew Oppenheimer, especialista em armas
nucleares do Jane's Information
Group, centro de estudos voltado
para segurança internacional.
"Só posso entender [a pressão]
levando em conta que os EUA são
muito desconfiados quando se
trata de proliferação nuclear. Estão sempre olhando à sua volta,
em busca de perigos que podem
existir ou não", afirma.
A pressão dos EUA vêm do fato
de o Brasil não ter assinado um
protocolo adicional do Tratado
de Não-Proliferação de Armas
Nucleares (TNP) que reforçou o
poder de fiscalização da Agência
Internacional de Energia Atômica
(AIEA). O protocolo, de 1997, autoriza a agência a inspecionar locais "sensíveis" com aviso prévio
pequeno -às vezes, só duas horas de antecedência.
O governo brasileiro não quer
permitir acesso irrestrito dos técnicos da AIEA a um equipamento
de ultracentrifugação da fábrica
de enriquecimento de urânio da
estatal INB (Indústrias Nucleares
do Brasil) em Resende (RJ). Argumenta que quer proteger o segredo industrial do processo empregado, que seria mais econômico.
Para o físico Rogério Cezar de
Cerqueira Leite, professor emérito da Unicamp, o temor dos brasileiros não se justifica.
"Eu reconheço que que as centrífugas têm alguma melhoria em
relação aos sistemas tradicionais.
Mas uma comissão de inspeção é
composta de técnicos de um certo
prestígio que não aceitariam passar informações ao governo americano", disse o físico, que integra
o Conselho Editorial da Folha.
A razão da maior eficiência do
sistema brasileiro é que, enquanto
nos outros seis países que enriquecem urânio por ultracentrifugação as máquinas giram mecanicamente (têm eixo com rolamentos), a brasileira gira "flutuando"
sobre um campo magnético. Isso
evita o desgaste dos materiais.
Cerqueira Leite também argumenta que não há grande interesse dos EUA em ter acesso à tecnologia brasileira porque o país possui um estoque grande de urânio
enriquecido. Por isso, não tem necessidade urgente de um sistema
de enriquecimento mais eficiente.
Mesmo assim, o físico defende a
postura dos brasileiros. "O governo brasileiro tem o absoluto direito de dizer que não vai consentir
[nas inspeções], até porque na
Holanda, nos EUA, as inspeções
não são feitas. Nem na África do
Sul. Nunca se tentou fazer", diz.
Condições desiguais
Andrew Oppenheimer ressalta
que as condições do TNP são bastante desiguais para os signatários. O texto colocou como única
obrigação para as potências nucleares que elas se comprometessem a não propagar tecnologia
nuclear para fins não-pacíficos.
A diferença entre a produção de
urânio para alimentar usinas nucleares de eletricidade e a produção que serve para fazer bombas
atômicas é o grau de enriquecimento. Para produzir energia elétrica é necessária uma concentração de 3% a 5% de urânio-235 (radioativo) no urânio-238 (não-radioativo). Já para a bomba, a concentração deve ser de 95%.
"[O TNP] é um regime bastante
desigual. As regras de controle para os países nucleares são bastante
flexíveis e difíceis de serem efetivadas", diz Oppenheimer.
As cinco potências nucleares
-EUA, Reino Unido, França,
Rússia e China- são os países
que já tinham a bomba atômica
quando o tratado foi assinado, em
1968. São também os únicos com
assento permanente no Conselho
de Segurança da ONU.
Em contraste, os demais países,
além de proibidos de buscar armas nucleares, têm de estar sujeitos a inspeções regulares da AIEA
para garantir que suas atividades
são para fins pacíficos.
O Reino Unido, por exemplo,
está livre de inspeções obrigatórias da agência e pode vetar o
acesso de técnicos a suas instalações quando quiser.
Os britânicos permitem inspeções apenas como uma concessão, "voluntariamente". Mas o
governo se reserva as prerrogativas de negar acesso a alguns locais
e de remover materiais. "O Reino
Unido mantém o direito de excluir instalações [das inspeções] e
de remover material do que for
objeto de inspeção", diz o departamento responsável por questões de energia nuclear.
"O governo britânico não esconde seu desconforto quando a
AIEA pede autorização para vistoriar a usina de Sellafield [principal instalação nuclear do país]",
diz Oppenheimer.
A adesão ao protocolo adicional
do TNP tem sido bem menor que
a adesão ao próprio tratado. Enquanto ele tem a adesão de quase
190 países, só 86 assinaram o protocolo -inclusive as cinco potências, para quem, no entanto, a situação muda pouco na prática. E
apenas 39 países ratificaram o texto. A União Européia assinou em
bloco, com exceção de França e
Reino Unido. As duas potências
nucleares do continente tiveram
direito a textos próprios, nos
quais foram reiterados os privilégios previstos no tratado.
Colaborou GUILHERME BAHIA,
da Redação
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