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JANIO DE FREITAS
Obrigado, Lula
Raros são os momentos em
que se tem motivos induvidosos, e sem risco de arrependimento, para ser agradecido a um
presidente. A obrigação de todo
presidente eleito é fazer-nos
agradecidos todos os dias, mas
da obrigação ao fazer passa uma
infinidade que começa no caráter e termina na história.
De Lula, já não posso dizer que
haja faltado sempre com sua
obrigação. Ainda que por um só
gesto, não importa, passo a dever-lhe gratidão. Uma das dádivas mais valorosas e difíceis da
vida é o consolo nas aflições, e foi
consolo que Lula me ofereceu.
Espontâneo, gratuito, sem a espera da retribuição que não tenho para dar. Consolo que Lula,
com a reconhecida inteligência,
pôs sob a forma de poucas palavras, que até se assemelham a
uma humilde confissão:
"Não consigo compreender por
que alguém vai ao banco tirar dinheiro com um cartão de crédito
para pagar 12% de juros ao mês.
Não deveria ir e, se não fosse,
acabaria com isso, [com esse] sistema financeiro a juros escorchantes".
Muito claro: o presidente que
vem do nível mais carente do povo não consegue compreender,
ou não compreende mais, que a
necessidade force milhões a se
submeterem a variadas formas
de agiotagem. Se o presidente
não compreende razões tão simples, como posso, na condição
vulgar de presidido, compreender que o presidente nada faça
para coibir as variadas formas de
agiotagem que exploram os já
necessitados?
Tenho me afligido com a frustrante suposição de que presidente e governo servissem, entre
outros fins, para aplicar medidas
capazes de tornar menos bestiais
e mais justos os modos todos de
relações, humanas e materiais,
na sociedade em geral. Não conseguia compreender o governo
Lula e muito menos o próprio
Lula.
Um caso real é sempre útil para
melhorar a clareza. Não pude
compreender a compra de um
avião especial por Lula, o que me
pareceu imoralidade pessoal e
administrativa extrema. Quem
vive falando, aqui e lá fora, na
fome de milhões, e governa um
país com mais de 40 milhões em
estado de penúria, só por vaidade desatinada e irresponsabilidade ilimitada gastaria mais de
R$ 170 milhões com um avião,
como poucos chefes de países ricos têm.
Ainda na sexta-feira, não pude
compreender que os senadores e
deputados da Comissão Mista de
Orçamento aprovassem o crédito
suplementar de R$ 50,8 milhões
para pagamento da terceira parcela do avião, já em atraso por
falta de dinheiro disponível no
governo. Insistia, na minha cabeça, a lembrança do gasto a cada dia, com os juros pelo atraso
desde o dia 4, do equivalente a
um mês do Bolsa-Família para
42 famílias (conta, já citada
aqui, do repórter Evandro Éboli).
Só nos oito dias de atraso até hoje, os juros consomem um mês de
Bolsa-Família para 336 famílias.
Já não me sinto sozinho na incapacidade de compreender o
mais simples e evidente. Como a
transformação de Lula.
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