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CAMPO MINADO
Reintegração de área perto do local do massacre de 96, ocupada por 1.200 famílias do MST, ainda não foi cumprida
Eldorado do Carajás teme nova tragédia
ELVIRA LOBATO
ENVIADA ESPECIAL A ELDORADO DO CARAJÁS
O MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) ergueu um acampamento gigante
-com 1.200 famílias, escola e
duas igrejas evangélicas- a apenas 12 km do local no sul do Pará
onde 19 sem-terra foram mortos
pela Polícia Militar do Estado, em
17 de abril de 1996, no massacre
de Eldorado do Carajás.
As famílias estão acampadas
dentro da fazenda Peruano, na
margem da rodovia em que aconteceram as mortes, a PA-150, a
cerca de 80 km de Marabá.
A invasão se deu no último dia
17 de abril, quando se completaram oito anos do massacre, e recebeu o nome de Lourival Santana, um dos mortos no episódio.
O proprietário da fazenda Peruano, Evandro Mutran, obteve
uma liminar judicial para a reintegração de posse dois dias depois
da invasão, mas a decisão ainda
não foi cumprida. As autoridades
temem repetir o confronto de
1996, que deixou ainda 81 feridos
(69 sem-terra e 12 policiais).
De acordo com a advogada do
proprietário da fazenda, Marli
Tronchetti, a Polícia Militar de
Marabá alega que só agirá com
ordem do governador Simão Jatene (PSDB), em razão do grande
número de acampados. Em 1996,
o massacre ocorreu após determinação do então governador Almir
Gabriel (PSDB) para a desobstrução da estrada (leia abaixo).
A advogada afirma que entrará
na Justiça com um pedido de intervenção federal no Estado, pois
seu cliente tem três fazendas que
estão ocupadas pelo MST e, em
nenhuma delas, a liminar de reintegração de posse foi cumprida.
O governo do Pará informou,
por intermédio de sua assessoria
de imprensa, que a ordem de desocupação da fazenda Peruano
não foi cumprida a pedido da CPI
(Comissão Parlamentar de Inquérito) da Terra, formada pela
Câmara e pelo Senado, que investiga os conflitos agrários. E também por causa de um acordo com
o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.
Ocupação simbólica
De acordo com Charles Troca-
tte, que é membro do diretório
nacional do MST e está baseado
em Marabá, o acampamento da
fazenda Peruano foi planejado
para ter visibilidade e é o maior do
Estado do Pará. Nos três meses
que antecederam a invasão, parte
das famílias ficou alojada próximo de Eldorado do Carajás, para
o que ele chamou de ""processo de
acumulação de forças".
Segundo Trocatte, trata-se da
ação de maior impacto do MST
no Sul do Estado nos últimos oito
anos, por causa da localização
simbólica -próxima ao memorial do massacre- e das características da propriedade ocupada.
A fazenda Peruano, de acordo
com seu proprietário, tem 7.500
hectares de extensão, 16.500 cabeças de gado e é especializada em
transferência de embriões e inseminação artificial para a melhoria
genética de espécies das raças guzerá, nelore e girolanda. A sede da
propriedade tem sete suítes.
Suposto trabalho escravo
O Ministério do Trabalho autuou, em 2001, duas propriedades
rurais de Evandro Mutran por
utilização de mão-de-obra em
condição análoga à escravidão: a
própria Peruano e a fazenda Cabaceiras. Ambas ficam entre os
municípios de Eldorado do Carajás e Marabá. Também invadida,
A Cabaceiras já está ocupada por
famílias do MST há cinco anos.
Em entrevista à Folha, por telefone, Mutran refutou a acusação
de trabalho escravo e afirmou que
vem sendo vítima de perseguição
por parte do MST e dos fiscais do
Ministério do Trabalho. Além das
fazendas, onde cria cerca de 50
mil cabeças de gado, Mutran é exportador de castanha do Pará.
O empresário disse que a fazenda Cabaceiras foi autuada duas
vezes pelo Ministério do Trabalho, em 2001 e em 2002, por utilização de trabalho escravo e que
um dos motivos da autuação foi a
falta de água potável e de alojamentos adequados para os trabalhadores. Segundo ele, a caixa d'água e os alojamentos haviam sido
destruídos pelos sem-terra.
""É como autuar um hotel de luxo no Iraque por falta de alojamentos adequados. Minha fazenda está pior do que o Iraque",
acrescentou o empresário.
Suspeita de grilagem
A Superintendência Regional
do Incra em Marabá afirmou que
recomendou a suspensão do despejo dos acampados na fazenda
Peruano até que seja realizada
uma medição das terras.
De acordo com Gilson Souza
Mendes, que é chefe da divisão
técnica da superintendência, há
suspeita de que parte das terras
seja da União. A suspeita foi levantada pela CPT (Comissão Pastoral da Terra) e pelo MST.
Segundo a CPT de Marabá, a
Peruano ocuparia uma área total
de 10.800 hectares, dos quais cerca
de 6.000 seriam da União.
O proprietário da fazendo contesta o dado. Mutran afirma que
comprou a propriedade em 1982 e
que ela tem 2.300 hectares a menos do que o total informado pela
CPT. O empresário alega ainda
que possui a titularidade das terras registrada em cartório.
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