São Paulo, domingo, 11 de agosto de 2002

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NO PLANALTO

Atenção senhores passageiros, a Varig sobrevoa os vossos bolsos

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

No Brasil , como se sabe, a ruína privada mantém um caso de amor com a benevolência pública. O patriciado ronda o baú da viúva com indisfarçável volúpia.
Natural, portanto, que a Varig, em vôo cego, tenha aterrissado no pronto-socorro do BNDES. A terapia sairá o olho da cara. Coisa de mais de R$ 1 bilhão. Oficialmente, diz-se que não haverá injeção de verbas públicas. Não é bem assim.
Busca-se uma "solução de mercado". Mas Brasília já dá de barato que o bancão oficial terá de pingar algum.
Flerta-se com a ilegalidade. Para receber dinheiro público, a Varig teria de estar em dia com o erário. Não está. Longe disso.
Acaba de receber do INSS autuações de R$ 211 milhões. Decorrem de uma visita da fiscalização à contabilidade da empresa. Varreram-se os livros referentes ao período de 1987 a 1997.
Trata-se, em verdade, de uma refiscalização. Com um mero telefonema à pasta da Previdência, a Varig lograra, em 1998, reduzir autos de infração de R$ 244,2 milhões para R$ 22,7 milhões.
Premido pelo Ministério Público, o INSS voltou à escrituração da Varig no ano passado. Terminou o serviço há cinco meses. Concluiu que, de fato, a primeira equipe de fiscais realizara um trabalho imundo.
O grosso do débito foi à faca. Mas foram encontradas outras dívidas. Daí os novos autos. Somando a dívida nova ao passivo histórico da Varig com o INSS, chega-se a uma pendura notável: R$ 1,094 bilhão.
Desse total, R$ 360 milhões encontram-se na esfera administrativa. Os outros R$ 734 milhões estão sob os cuidados da procuradoria do INSS. Reza a lei que, sem uma certidão negativa, a Varig não poderia transacionar com o Estado.
Os números da derrocada da Varig, tragicamente enganchados à gangorra do câmbio, são guardados em segredo. Estima-se que a fenda meça cerca de R$ 2,5 bilhões, fora a cavidade previdenciária.
Planeja-se para a Varig um socorro à maneira do que foi feito para a Globo Cabo. Também às voltas com balanços rubros, a empresa dos Marinho tenta capitalizar-se em R$ 1 bilhão. A operação, ainda em curso, é intermediada pelo mesmo bom e velho BNDES, que entrará com R$ 281 milhões.
O tratamento dispensado à Varig e à Globo Cabo é balizador. Concorrentes dos Marinho que, em visitas ao BNDES, deram com a porta na cara sentem-se agora animados a empreender nova tentativa. A Vasp, igualmente endividada -cerca de R$ 600 milhões só para o INSS- , também pode achar a fila atraente.
Enquanto espera pelo balão de oxigênio do Proar, a Varig negocia com um comitê de credores uma espécie de concordata informal. O acerto é supervisionado pelo BNDES.
O governo é, naturalmente, credor preferencial da Varig. Estão à mesa o Banco do Brasil, a Infraero e a BR Distribuidora. Por falta de convite, a Previdência se ausentou.
Negocia-se sobretudo a dilação de prazos. Ganhando tempo, a Varig se reorganizaria, credenciando-se para atrair investidores privados. O aporte do BNDES teria o peso de um aval. O governo seria uma espécie de FMI da Varig.
A generosidade de Brasília está escorada em argumento débil. Diz-se que uma empresa do porte da Varig, cuja bandeira se "confunde" no exterior com o próprio pavilhão nacional, não pode ir à breca.
Além dos transtornos de praxe, haveria prejuízos imensuráveis à imagem do país. Argumenta-se também que a aviação é estratégica. Tanto que países como os Estados Unidos brindam o setor com pródigos subsídios.
Ora, a histórica inadimplência da Varig com os guichês públicos não funciona senão como um subsídio indireto. Nem por isso deixou de dobrar os joelhos.
De mais a mais, a Transbrasil, outra gigante do setor, foi à bancarrota e o mundo não veio abaixo. Restaram uma penca de dívidas a descoberto - algo como R$ 1 bilhão só com o INSS- e novas oportunidades à concorrência.
Difícil, de resto, explicar à malta pagadora de impostos essa mania do capitalismo inzoneiro de distribuir de modo tão desigual as suas bênçãos.
A UFRJ não pagou a conta de luz? Simples. Corta-se a energia e submete-se a maior universidade federal do país ao constrangimento das trevas.
Os quartéis estão na pindaíba? Bico. Fecha-se o rancho e manda-se a soldadesca para casa antes do tempo.
Zé das Couves atrasou o carnê da geladeira? Sopa. Espeta-se o nome dele no SPC e ceifa-se-lhe o crédito.
A política econômica asfixiou a padaria da esquina? Paciência. O risco é do jogo.
A Varig quebrou? BNDES nela. E não se fala mais nisso.



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