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NO PLANALTO
Atenção senhores passageiros, a Varig sobrevoa os vossos bolsos
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
No Brasil , como se sabe, a ruína privada mantém
um caso de amor com a benevolência pública. O patriciado
ronda o baú da viúva com indisfarçável volúpia.
Natural, portanto, que a Varig, em vôo cego, tenha aterrissado no pronto-socorro do BNDES. A terapia sairá o olho
da cara. Coisa de mais de R$ 1
bilhão. Oficialmente, diz-se que
não haverá injeção de verbas
públicas. Não é bem assim.
Busca-se uma "solução de
mercado". Mas Brasília já dá de
barato que o bancão oficial terá
de pingar algum.
Flerta-se com a ilegalidade.
Para receber dinheiro público, a
Varig teria de estar em dia com
o erário. Não está. Longe disso.
Acaba de receber do INSS autuações de R$ 211 milhões. Decorrem de uma visita da fiscalização à contabilidade da empresa. Varreram-se os livros referentes ao período de 1987 a
1997.
Trata-se, em verdade, de uma
refiscalização. Com um mero telefonema à pasta da Previdência, a Varig lograra, em 1998, reduzir autos de infração de R$
244,2 milhões para R$ 22,7 milhões.
Premido pelo Ministério Público, o INSS voltou à escrituração da Varig no ano passado.
Terminou o serviço há cinco
meses. Concluiu que, de fato, a
primeira equipe de fiscais realizara um trabalho imundo.
O grosso do débito foi à faca.
Mas foram encontradas outras
dívidas. Daí os novos autos. Somando a dívida nova ao passivo
histórico da Varig com o INSS,
chega-se a uma pendura notável: R$ 1,094 bilhão.
Desse total, R$ 360 milhões encontram-se na esfera administrativa. Os outros R$ 734 milhões estão sob os cuidados da
procuradoria do INSS. Reza a
lei que, sem uma certidão negativa, a Varig não poderia transacionar com o Estado.
Os números da derrocada da
Varig, tragicamente enganchados à gangorra do câmbio, são
guardados em segredo. Estima-se que a fenda meça cerca de R$
2,5 bilhões, fora a cavidade previdenciária.
Planeja-se para a Varig um
socorro à maneira do que foi feito para a Globo Cabo. Também
às voltas com balanços rubros, a
empresa dos Marinho tenta capitalizar-se em R$ 1 bilhão. A
operação, ainda em curso, é intermediada pelo mesmo bom e
velho BNDES, que entrará com
R$ 281 milhões.
O tratamento dispensado à
Varig e à Globo Cabo é balizador. Concorrentes dos Marinho
que, em visitas ao BNDES, deram com a porta na cara sentem-se agora animados a empreender nova tentativa. A
Vasp, igualmente endividada
-cerca de R$ 600 milhões só
para o INSS- , também pode
achar a fila atraente.
Enquanto espera pelo balão
de oxigênio do Proar, a Varig
negocia com um comitê de credores uma espécie de concordata informal. O acerto é supervisionado pelo BNDES.
O governo é, naturalmente,
credor preferencial da Varig. Estão à mesa o Banco do Brasil, a
Infraero e a BR Distribuidora.
Por falta de convite, a Previdência se ausentou.
Negocia-se sobretudo a dilação de prazos. Ganhando tempo, a Varig se reorganizaria,
credenciando-se para atrair investidores privados. O aporte do
BNDES teria o peso de um aval.
O governo seria uma espécie de
FMI da Varig.
A generosidade de Brasília está escorada em argumento débil. Diz-se que uma empresa do
porte da Varig, cuja bandeira se
"confunde" no exterior com o
próprio pavilhão nacional, não
pode ir à breca.
Além dos transtornos de praxe, haveria prejuízos imensuráveis à imagem do país. Argumenta-se também que a aviação é estratégica. Tanto que países como os Estados Unidos
brindam o setor com pródigos
subsídios.
Ora, a histórica inadimplência da Varig com os guichês públicos não funciona senão como
um subsídio indireto. Nem por
isso deixou de dobrar os joelhos.
De mais a mais, a Transbrasil,
outra gigante do setor, foi à
bancarrota e o mundo não veio
abaixo. Restaram uma penca de
dívidas a descoberto - algo como R$ 1 bilhão só com o INSS-
e novas oportunidades à concorrência.
Difícil, de resto, explicar à
malta pagadora de impostos essa mania do capitalismo inzoneiro de distribuir de modo tão
desigual as suas bênçãos.
A UFRJ não pagou a conta de
luz? Simples. Corta-se a energia
e submete-se a maior universidade federal do país ao constrangimento das trevas.
Os quartéis estão na pindaíba? Bico. Fecha-se o rancho e
manda-se a soldadesca para casa antes do tempo.
Zé das Couves atrasou o carnê
da geladeira? Sopa. Espeta-se o
nome dele no SPC e ceifa-se-lhe
o crédito.
A política econômica asfixiou
a padaria da esquina? Paciência. O risco é do jogo.
A Varig quebrou? BNDES nela. E não se fala mais nisso.
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