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NO PLANALTO
Conheça o mico imobiliário da Previdência
JOSIAS DE SOUZA
COLUNISTA DA FOLHA
Golear a seleção de futebol
do Haiti, encontrar metáforas infames em discursos do Lula,
ouvir promessas vãs no horário
eleitoral gratuito, roubar pirulito
de criança, nada disso é tão fácil
quanto ocupar uma propriedade
da Previdência.
Imóvel do INSS é como mulher
dos sonhos. Quem possui não
quer mais largar. Com uma vantagem: o bem previdenciário proporciona o gozo da posse sem contrapartida.
A despeito da inconsistência
atuarial que envenena as suas
contas, a Previdência conserva,
há quatro décadas, a condição de
megaimobiliária. Possui hoje
5.133 imóveis. A soma não traduz
o tamanho da encrenca. Um edifício de 22 andares no centro do
Recife (PE) entra na conta como
uma única unidade, do mesmo
modo que um terreno em Petrópolis (RJ).
A fuzarca dos imóveis da Previdência tem suas raízes no período
demarcado entre as décadas de
30 e 60. Era o tempo dos "IAPs",
os institutos de aposentadoria e
pensões. As categorias laborais
mais fortes tinham cada uma o
seu. Havia o Iapi, dos industriários; o IAPC, dos comerciários; o
IAPB, dos bancários etc.
O Brasil era então um país rural. Mercado financeiro nos moldes do atual era coisa inimaginável. Taxas de juros à Malan e Palocci, algo impensável. Restava
aos "IAPs" investir o dinheiro recolhido de seus cotistas em imóveis.
Em 1966, um decreto-lei do regime militar acomodou os "IAPs"
sob o guarda-chuva de um novo
órgão público, o INPS (hoje
INSS). Com isso, o Estado assumiu um legado de micos imobiliários. Herdou também, é claro, a
obrigação de honrar as aposentadorias e pensões contratadas.
Na década de 80, o INSS se deu
conta de que o investimento em
imóveis passara a ser inconveniente. Desenvolveu-se o raciocínio, hoje consagrado em lei, de
que a Previdência não deveria
possuir senão os prédios destinados ao uso próprio. O resto teria
de ser vendido. E o dinheiro
amealhado, revertido às arcas
que bancam a aposentadoria da
bugrada.
Um misto de letargia e incompetência prevalecem, porém, sobre a lógica e a lei. Um exemplo:
embora vendidos há mais de três
décadas, cerca de 20 mil imóveis
ainda não foram transferidos aos
"novos" donos. A grossa maioria
está localizada no Rio de Janeiro.
Nos livros cartoriais, a Previdência figura como proprietária.
Há pior: auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União
verificou que está podre uma parte expressiva da carteira de 5.133
imóveis que o INSS cataloga como seus. A inspeção concentrou-se na agência central do instituto
em São Paulo.
Ali estão registradas 197 propriedades. Só sete abrigam repartições do instituto. As demais estão vazias (76 imóveis), invadidas
(35 unidades) ou cedidas, sempre
de graça, a órgãos públicos e até a
entidades privadas.
Mencione-se, por acintoso, o caso de um naco de terras situado
na quadra 7, lotes 3 a 9, da Vila
Monumento. Comprou-o, em
1939, o Iapi. No mesmo ano, foi
invadido por um tal Esporte Clube Vila Monumento. Na intimidade, chamam-no "Corintinha".
Lá permanece até hoje.
Fora dos guarda-volumes da
Previdência, o time de várzea é
um desconhecido. Não consta do
rol de filiados do Sindicato de
Clubes Amadores do Estado de
São Paulo. Seu nome não foi inscrito nem na lista telefônica. O repórter não logrou encontrar nenhum de seus dirigentes.
A despeito do anonimato, o Vila Monumento viabilizou, 65
anos atrás, o sonho da sede "própria". E o fez sem coçar o bolso.
De início, mantinha sobre terreno
alheio apenas um par de traves.
Com o tempo, ergueu ginásio coberto, arquibancadas e playground.
A Previdência já foi à Justiça
duas vezes para reaver o terreno,
em 1961 e 1976. Foi vitoriosa nas
duas ações. Mas o "Corintinha"
não se deu por achado. Em 2000,
o terreno foi posto à venda. Não
apareceu quem se dispusesse a
comprar o problema. Nenhuma
palha foi movida desde então.
Casos como esse abundam na
agência paulistana do INSS. Há
dois prédios invadidos por sem-teto na avenida Nove de Julho; há
uma edificação transformada em
cortiço na rua Vigário João Alves;
há terrenos usurpados pela Prefeitura de São Paulo; há o diabo.
Encurta-se a lista para poupar irritação ao leitor.
Compelido pelo trabalho do
TCU, o ministro Amir Lando
(Previdência) constituiu há três
meses um grupo de trabalho para
dar cabo do problema. É coordenado por um assessor especial do
próprio Lando. Chama-se Paulo
Roberto Coelho. "Constatamos
que boa parte do patrimônio
imobiliário da Previdência é virtual", diz ele. "Há no Rio de Janeiro um terreno sobre o qual surgiu uma favela. Fica no Jardim
Carioca, na Ilha do Governador.
Ali não entra nem oficial de Justiça para entregar mandado de
reintegração de posse. Quem vai
comprar uma coisa dessas?"
Servindo-se de estudo que vem
sendo desenvolvido pelo INSS
desde 2002, Lando decidiu apressar a venda de 1.073 imóveis da
Previdência. Serão licitados em
breve. Quanto valem? Ninguém
sabe. A Caixa Econômica Federal
fará uma avaliação. Restarão
ainda 4.060 imóveis.
"Vamos fazer uma assepsia nessa área", diz o ministro. Recomenda-se que apresse o passo. Em
1989, o INSS mantinha em carteira cerca de 7.200 imóveis. Em 15
anos, desfez-se de pouco mais de
2.000 propriedades. Nesse ritmo,
Lula precisaria de uns sete mandatos de quatro anos para higienizar a carteira imobiliária da
Previdência.
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