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ARTIGO
Por que Lula deve um pedido de desculpas a FHC
TED GOERTZEL
ESPECIAL PARA A FOLHA
Lula tem muito pelo que pedir
desculpas. Em lugar de dar ao
Brasil um modelo econômico novo em folha, ele simplesmente requentou o modelo velho de Fernando Henrique Cardoso. Depois
de passar oito anos criticando as
propostas de FHC de reforma tributária e da Previdência, ele reconheceu que Fernando Henrique
estava certo, afinal.
Ele anunciou uma campanha
Fome Zero moldada no programa norte-americano de selos-alimentação, sem nem sequer mencionar que o governo de Fernando Henrique já tinha instituído
programas inovadores de combate à fome e à pobreza. Em todas os
setores chaves -reforma agrária,
proteção ambiental, ação afirmativa e política externa-, sua política é quase impossível de se distinguir da de Fernando Henrique.
Isso pode significar que o Brasil
finalmente amadureceu em termos de política partidária, tendo
alcançado um amplo consenso
com relação às questões mais importantes. Ninguém vence uma
eleição elogiando o outro lado, e a
popularidade de Fernando Henrique estava num patamar tão
baixo que mesmo o candidato de
seu próprio partido lhe dava reconhecimento apenas a contragosto. Lula e Fernando Henrique são
velhos amigos cuja relação data
da longa luta contra o regime militar. Eles têm metas semelhantes
para o Brasil e são homens práticos, que não têm vontade nenhuma de afundar na defesa gloriosa
de sonhos impossíveis. Após oito
anos no poder, Fernando Henrique deixou o Brasil em situação
significativamente melhor do que
aquela em que o encontrou. Lula
se sairá bem se puder dizer o mesmo dentro de quatro ou oito anos.
Se estivéssemos falando apenas
de uma questão particular entre
amigos, haveria pouca necessidade de um pedido de desculpas.
Tanto Lula quanto FHC compreendem a retórica política, e
Lula já expressou sua apreciação
pela ajuda que Fernando Henrique prestou durante a transição.
Mas um pedido público de desculpas seria bom para o país. Não
tanto para corrigir o registro histórico, mas para ajudar os brasileiros a entender o que aconteceu
com a visão de Lula de um novo
modelo econômico e social capaz
de transformar o país.
Durante toda a campanha eleitoral, Fernando Henrique ficou
frustrado porque em nenhum
momento conseguiu fazer Lula
definir a que vinha em termos políticos. Lula dizia que era contra o
que Fernando Henrique estava fazendo, mas nunca explicava o que
ele faria em lugar disso.
Voltaria a nacionalizar a indústria? Reestruturaria a dívida? Como reduziria os juros sem aumentar a dívida e a inflação? Como aumentaria os salários sem
provocar o aumento da inflação?
Como implementaria e subsidiaria uma reforma agrária mais acelerada? Em resposta a essas perguntas específicas, Lula dizia apenas que se reuniria com as partes
interessadas e negociaria. Em nenhum momento explicou qual seria sua própria posição.
Lula ganhou a eleição sem jamais responder de fato às perguntas de FHC. As pessoas se contentaram em votar em imagens, sem
saber exatamente que políticas seriam usadas para implementá-las.
A campanha do PT girou em torno de um slogan sem sentido:
""Um outro Brasil é possível".
É claro que muitos outros Brasis
são possíveis. E muitos deles seriam piores do que o Brasil que temos hoje. O Brasil poderia se unir
em torno de um demagogo populista, como fez a Venezuela, ou declarar a moratória, como a Argentina. Algumas vozes da esquerda
que ficou para trás gostariam que
o Brasil fosse uma ditadura marxista, como Cuba ou a Coréia do
Norte. Quase todo o mundo gostaria que o Brasil fosse mais semelhante à Suécia, mas isso vai demorar.
A questão não é se um outro
Brasil é possível, mas qual dos
muitos Brasis possíveis é viável.
Na minha opinião, a melhor possibilidade para o Brasil seria seguir o modelo do Chile. Não me
refiro ao Chile de Allende nem ao
de Pinochet, mas ao Chile democrático e socialista dos últimos 15
anos. O Chile cortou a pobreza
pela metade ao mesmo tempo em
que melhorou o padrão de vida de
todos seus habitantes e protegeu
os direitos humanos e as liberdades democráticas. O Brasil poderia fazer o mesmo. Não existe nenhum grande segredo que explique o sucesso do Chile. Este foi
conquistado por meio de quatro
políticas principais:
- Trabalhar duro para manter
um consenso político, incluindo o
envio de projetos de lei importantes aos partidos de oposição para
obter os conselhos e o consentimento deles.
- Reduzir os gastos do governo
de modo a manter um superávit
orçamentário e reduzir a inflação.
- Aumentar os impostos para financiar o aumento dos gastos
com educação, saúde, formação
dos jovens e habitação para os pobres.
- Aumentar em muito o índice
de investimento, incluindo os investimentos externos diretos.
Foi mais ou menos isso o que
Fernando Henrique procurou fazer, e Lula está tentando fazê-lo
ainda melhor. O Brasil partiu no
caminho certo dez anos atrás,
com o Plano Real. O país avançou
por esse caminho, mas não chegou tão longe quanto esperava.
Lula espera avançar mais pela
mesma estrada -e vai precisar
de toda a ajuda que puder conseguir. Ele vai precisar que a população mantenha a paciência quando ele topar com obstáculos e desvios no caminho. Fernando Henrique teve popularidade menor
do que a de Lula principalmente
porque dizia às pessoas exatamente o que estava fazendo. Lula
ganhou o concurso de popularidade à base de promessas indefinidas e visões utópicas. Isso se enquadra muito bem na tradição da
política latino-americana, e não
há dúvida de que funcionou bem
na eleição. Mas pode representar
uma receita de desastre quando a
população se desilude porque as
promessas não podem ser cumpridas. Um pedido público de
desculpas a FHC corrigiria a falsa
impressão de que Lula tem um
modelo novo e revolucionário para o Brasil, sem falar na ilusão de
que o Brasil precisa desse modelo.
Ted Goertzel é professor de sociologia
na Universidade Rutgers, em Camden,
Nova Jersey, e autor de ""Fernando Henrique Cardoso e a Reconstrução da Democracia no Brasil" (Ed. Saraiva, São
Paulo, 2002).
Tradução de Clara Allain
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