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CONFLITO AGRÁRIO
Na opinião de Souza Filho, a propriedade privada não é um direito absoluto, mas sim limitado pela Constituição
Ele diz também que o Incra vai avaliar a produtividade de terras independentemente de normas que limitem isso
'Não estou flexibilizando', diz procurador
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O procurador-geral do Incra,
Carlos Frederico Marés de Souza
Filho, 55, afirma que, em seu memorando, interpretou a medida
provisória antiinvasão à luz do
que dizem os princípios constitucionais.
"A propriedade privada não é
um direito absoluto e intangível",
afirma o procurador-geral da autarquia. "Ao contrário, a Constituição estabelece limitações à propriedade privada."
Convidado pelo ministro Miguel Rossetto (Desenvolvimento
Agrário), Souza Filho assumiu a
Procuradoria Geral do Incra em
15 de maio. Ele também fala sobre
a possibilidade de vistoriar terras
invadidas: "Se fizermos a avaliação apesar da manifestação do
proprietário, ele terá a alternativa
de ir à Justiça para impedir".
É procurador do Estado do Paraná e professor de direito agrário
da PUC-PR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná).
Ele falou à reportagem da Folha
a respeito de seu parecer sobre a
medida provisória na última sexta-feira. A seguir, trechos da entrevista:
Folha - Em que se baseia a sua interpretação da medida provisória
antiinvasão?
Carlos Frederico Marés de Souza
Filho - Fui buscar os fundamentos
jurídicos e constitucionais da própria medida. Encontrei dois. O
primeiro fundamento é a garantia
ao proprietário do exercício do
direito de propriedade sem turbação. O segundo fundamento é a
garantia ao poder público de fazer
a reforma agrária nas terras improdutivas.
Folha - O sr. concorda que seu parecer fez uma leitura flexível da lei?
Souza Filho - Não. A minha leitura foi feita segundo os termos
constitucionais.
Folha - Uma interpretação mais
draconiana inviabilizaria a reforma agrária?
Souza Filho - Não creio. Mas o
Incra tem que definir as áreas
prioritárias para desapropriação.
Para levar paz ao campo, a desapropriação deve ser feita preferencialmente onde existe o conflito. Onde a gente puder avaliar a
improdutividade, nós devemos
fazer, independentemente de
uma norma que coloque limites
nisso.
Folha - Segundo o seu parecer,
cabe ao proprietário da terra invadida, e não ao Incra, invocar a aplicação da medida provisória.
Souza Filho - Exatamente. Se há
um esbulho da propriedade e o
proprietário não toma nenhuma
providência em sua defesa, o poder público não tem como ir defender essa propriedade.
Folha - Ainda que o proprietário
se manifeste, o Incra poderá vistoriar e desapropriar a terra se a invasão tiver ocorrido numa parte pequena do imóvel.
Souza Filho - É isso. O Incra vai
verificar se a invasão impossibilita
a avaliação da produtividade do
imóvel ou não. Se fizermos a avaliação apesar da manifestação do
proprietário, ele terá a alternativa
de ir à Justiça para impedir.
Folha - O Incra também poderá
agir quando a parte invadida da
propriedade for maior?
Souza Filho - Há um princípio de
que o Incra pode desapropriar
parte da propriedade e não toda
ela. Estamos falando de uma propriedade muito grande. Ainda
que uma parte grande tenha sido
ocupada, uma outra parte igualmente grande ficou sem ocupação. Pode ser desapropriada.
Folha - O Incra também pode agir
quando o imóvel for composto de
diversos números de matrícula e
apenas um dele estiver ocupado?
Souza Filho - Aí com mais razão
ainda. Nesse caso, temos várias
propriedades rurais, cada uma
com o respectivo número de matrícula. Elas devem ser analisadas
individualmente.
Folha - O Incra pode desapropriar
ainda áreas invadidas quando os
proprietários concordarem com a
vistoria.
Souza Filho - Se o proprietário
pode vender a propriedade, é evidente que também pode anuir
com o processo de desapropriação, ainda que a terra esteja ocupada.
Folha - Existem muitos fazendeiros no país que sonham com uma
invasão somente para ter a oportunidade de vender suas terras ao governo.
Souza Filho - O Incra precisa ser
bastante cuidadoso na avaliação.
A eventual má-fé do proprietário
vai depender da má-fé do funcionário do Incra que vai avaliar
equivocadamente a sua terra.
Acreditamos que o Incra, há muito tempo, está saneado desse tipo
de desvio.
Folha - No começo desta entrevista, o sr. disse que não flexibilizou a
lei. Mas suas respostas evidenciam
o contrário.
Souza Filho - Não estou flexibilizando a lei, mas apenas aplicando
os princípios constitucionais. Na
Constituição, a propriedade privada não é um direito absoluto e
intangível. Ao contrário, a Constituição estabelece limitações à propriedade privada.
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