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NO PLANALTO
Justiça do Maranhão paga R$ 3.300 a uma doméstica
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
E la se chama Alberlila Pereira Silva. Seis meses atrás, ao
fazer faxina para a patroa, deu de
cara com contracheques e papéis
que traziam o seu nome e o de seu
companheiro, Antonilson Castro
Moreira, também empregado da
casa.
Mulher de primeiras letras, Alberlila levou os documentos para
Antonilson -singelo como ela,
mas mais versado no abecedário.
Descobriram que haviam sido
contratados em 15 de janeiro de
2002 pelo Tribunal de Justiça do
Maranhão. Sem saber, tornaram-se agentes judiciários administrativos.
Alberlila com remuneração
bruta de R$ 3.340 por mês (R$
2.832,83 depois dos descontos).
Antonilson, com R$ 3.117,40 (R$
2.676,93 líquidos). Vencimentos
de sonho para quem estava habituado ao salário mínimo.
Como não vira a cor do dinheiro nem dera expediente no tribunal, Alberlila foi ao escritório do
Ministério do Trabalho em São
Luís. Aconselharam-na a procurar o Ministério Público Estadual.
A promotoria tomou-lhe o depoimento. Ela disse:
1) o nome da patroa era Giselita
Gonçalves Ribeiro. Uma assessora da desembargadora Etelvina
Ribeiro Gonçalves, que, além de
sua tia, é presidente do TJ-Maranhão;
2) junto com os contracheques,
Alberlila recolheu na faxina talões de cheque em seu nome e no
de seu marido, declaração que a
patroa lhe pedira para assinar
sem explicar que se tratava de
procuração para movimentar
conta bancária e cópias dos contratos de trabalho com o tribunal;
3) contou que a patroa havia
prometido a ela e ao companheiro empregos no Judiciário. Chegaram a assinar contratos. Previam remuneração mensal de escassos R$ 180. Mas o assunto morreu;
4) de fato, o valor anotado nos
contratos entregues à Promotoria
era de R$ 180. Dois detalhes intrigaram os promotores: os contratos traziam a assinatura de Etelvina Ribeiro Gonçalves, a presidente do TJ-Maranhão. E os contracheques incluíam generosas
gratificações. Daí os vencimentos
acima de R$ 3.000.
Os promotores foram ao banco
com Alberlila e Antonilson. As
contas funcionais dela e do marido vinham sendo mesmo movimentadas, mediante procuração,
pela patroa Giselita, a sobrinha
da presidente do tribunal. Convocaram-na para depor.
Ao perceber-se pilhada, Giselita
assumiu toda a culpa pela malfeitoria. Reconheceu que sacava
mensalmente os salários de seus
empregados;
Os promotores não puderam,
no entanto, ignorar as assinaturas de Etelvina, a presidente do
tribunal, nos contratos. E como
não têm legitimidade para investigá-la, remeteram os autos para
cima.
Ao receber o processo, o procurador-geral do Ministério Público
Estadual do Maranhão, Raimundo Nonato de Carvalho Filho,
também arremessou o caso para
o alto. Guiando-se pela Constituição e pela lei que rege a magistratura, enviou o processo para Brasília, em 27 de setembro. Só o STJ
(Superior Tribunal de Justiça) pode questionar atos de desembargadores.
O caso repousava nos escaninhos do STJ até a última quarta-feira. Reagindo a um telefonema
do repórter à sua assessoria, o
presidente do tribunal, ministro
Nilson Vital Naves, determinou o
recebimento da notícia-crime. Na
quinta-feira, o ministro Peçanha
Martins foi sorteado para relatar
o caso.
O processo será enviado ao procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, "el engavetador". Se julgar que há indícios de
ilicitude, o caso seguirá adiante.
O repórter tentou, de quarta a
sexta, conversar com a desembargadora Etelvina. Ela preferiu delegar os esclarecimentos ao secretário de Comunicação, Félix Alberto Lima, e ao diretor-geral do
tribunal, Francisco de Assis Coelho.
Informaram basicamente o seguinte:
1) Etelvina foi "induzida a erro"
pela sobrinha Giselita, sua assessora desde 1999. Assumira a presidência do TJ-Maranhão em 28 de
dezembro de 2001. Duas semanas
depois, os contratos micados
aportaram em sua mesa. Assinou-os "inadvertidamente";
2) invocando o nome da tia, Giselita ludibriou outros funcionários do tribunal. Injetou nos contracheques dos empregados domésticos gratificações irregulares;
3) arrependida, Giselita "tentou
reverter as contratações" em março. Como não conseguiu, confessou o malfeito à tia-presidente;
4) a desembargadora Etelvina
"ficou indignada". Mandou à
rua, em abril, Alberlila e Antonilson. Podia exonerar a sobrinha
de bate-pronto. Preferiu suspendê-la, sem prejuízo dos vencimentos, por 60 dias. Abriu uma sindicância;
5) embora datado de 26 de março, o ofício com as providências de
Etelvina só chegou ao "Diário de
Justiça" em 23 de maio, dois dias
depois do depoimento da doméstica Alberlila aos promotores;
6) ouvida pelos sindicantes do
tribunal, Giselita confessou o estelionato. Teve a suspensão prorrogada por mais 30 dias, com vencimentos preservados. Só foi exonerada em 2 de julho. Antes, restituiu ao tribunal R$ 19.531,80. A
soma do logro exclui gastos como
o Imposto de Renda recolhido na
fonte;
7) as conclusões da sindicância
foram entregues ao Ministério
Público.
O contribuinte brasileiro descobre que, não fosse a faxina de
uma doméstica atenta, talvez
ainda estivesse ajudando a fornir
os bolsos de uma sobrinha esperta
o bastante para ludibriar uma tia
distraída.
A despeito das reiteradas confissões, não há notícia de processo
aberto contra Giselita. Por ora,
puniram-se apenas as vítimas.
Alberlila e Antonilson perderam
empregos que não chegaram a
exercer. E já não recolhem impurezas na casa de Giselita.
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