São Paulo, domingo, 14 de julho de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ELEIÇÕES 2002/BASTIDORES

Candidato do PPS deve dividir palanque com deputado tucano em Minas Gerais

Reunião em Brasília selou acordo entre Ciro e Aécio

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Leonel Brizola, com tom de voz alguns sustenidos acima do normal: "É hora de lançar o anzol para ver o que conseguimos pescar".
Roberto Freire, algo contrafeito: "Tudo bem, não vou jogar pedras para afugentar os peixes. Mas também não vou chamar ninguém para a pescaria".
Era noite do último dia 22 de março, uma sexta-feira. O sonho presidencial do PFL (Roseana Sarney) acabara de ir a pique. Ainda atordoados, os náufragos do pefelê procuravam uma bóia que os levasse de volta ao único porto em que se sentem seguros: o poder.
Era nesse mar turvo que Brizola, o velho marujo do PDT, queria arremessar iscas. Uma idéia que, articulada em reunião do comando da candidatura Ciro Gomes, causava arrepios em Freire, agarrado à biografia de esquerdista e apreensivo com a reputação do seu PPS, sucedâneo do Partidão. Freire foi voz isolada no encontro.
Calafrio por calafrio, Ciro Gomes já estava coligado ao PTB, não menos identificado à direita e ao fisiologismo.
De resto, o tom ideológico de Freire soou démodé aos seis pares de ouvidos que o escutavam: além de Brizola, o próprio Ciro, Roberto Mangabeira Unger e os deputados José Carlos Martinez, Roberto Jefferson e Walfrido Mares Guia, os três do PTB.
Àquela altura, até o PT já flertava com o conservadorismo, numa relação que acabaria em casamento com o PL. Sob as benções da Igreja Universal do bispo Edir Macedo.
Reunido num sítio de Brizola, em Itaipava, distrito de Petrópolis (RJ), o alto comando de Ciro Gomes foi duplamente surpreendido pelo anfitrião. Primeiro, por conta da fidalguia singela de Brizola, que serviu apreciados arroz carreteiro, frango com polenta e vinho tinto chileno. Depois, por seu pragmatismo.
"Freire, meu caro, os conservadores sempre tiveram o apoio dos progressistas. Hoje é o contrário", verberou Brizola. "Não estamos apoiando, mas recebendo apoio. E apoio em eleição não se rejeita. De mais a mais, esses fazendeirões do PFL podem não ter visão social, mas são patriotas. Na defesa do país, são capazes de vender a fazenda para comprar armas."
Dias antes do frango com polenta de Brizola, Ciro havia confiado uma missão a José Carlos Martinez, presidente do PTB. Pedira que fosse a Jorge Bornhausen. Martinez saiu da conversa com o comandante da ruína pefelista convencido de que, jogando-se o anzol, não faltaria pescado.
Na verdade, o próprio Ciro vinha polindo o caniço há mais tempo do que supunha a platéia reunida no sítio de Brizola naquele 22 de março.
Ainda em 2001, Ciro havia despachado à Bahia o irmão Cid Gomes, prefeito de Sobral (CE). Cid foi ao apartamento do ex-senador Antonio Carlos Magalhães. Sondou-o sobre a sucessão. ACM disse que sua primeira opção era o tucano cearense Tasso Jereissati. A segunda era Ciro.
Há cerca de 15 dias, depois de telefonemas trocados na surdina com Ciro e de várias visitas de Cid, ACM encontrou-se com o candidato em São Paulo. Ciro foi a ele, no Maksoud Plaza. Tiveram uma conversa franca. ACM chegou mesmo a sugerir mudanças de rumo na campanha. Àquela altura, Ciro ainda não havia empatado com José Serra no segundo lugar das pesquisas eleitorais.
Há coisa de três semanas, antes da conversa com ACM, numa fase em que o tucanato ainda festejava a "ascendente solidez" do cacife eleitoral de Serra, Ciro teve em Brasília um outro encontro insuspeitado. Avistou-se em segredo com o tucano Aécio Neves, presidente da Câmara e candidato do PSDB a governador de Minas, o segundo colégio eleitoral do país.
Conforme combinação prévia, feita por meio de um "telefone seguro" (Ciro acha que está sob grampo), dirigiram-se ao apartamento do deputado Walfrido Mares Guia (MG). Aécio se fez acompanhar do ex-governador mineiro Eduardo Azeredo, tucano como ele. Ali, observado por Mares Guia e Azeredo, Ciro declarou apoio à candidatura de Aécio.
Fiel ao partido, Aécio disse que tinha compromisso com Serra. "Mas não sou candidato apenas do PSDB. Sou candidato de uma frente", concedeu. "Preciso dela para ganhar a eleição e para governar Minas." Firmou-se um pacto de convivência que não combina com o rancor nutrido por Ciro no comitê de campanha de Serra e no Palácio do Planalto.
Nas próximas semanas, Minas Gerais será invadida por material de campanha capaz de entortar a cabeça do eleitor. Associado pelo tucanato a Collor de Mello, o nome de Ciro será festejado ao lado do de Aécio em muros, faixas e cartazes. Foram encomendados por PDT e PTB. E pelo PFL, que, em Minas, está fechado com Ciro e emplacou o vice de Aécio, Clésio Andrade.
Embora ainda não se admita em público, o apoio firmado em Brasília prevê a realização de comícios conjuntos. Ficou acertado que, nos locais dominados por lideranças pró-Serra, os partidários de Ciro terão presença mais discreta e vice-versa. Ficou entendido que o próprio Ciro poderá dividir o palanque com Aécio.
Serra pode dar saltos de irritação. Mas será difícil arrancar uma censura do partido a Aécio. Em pleitos passados, o próprio presidente Fernando Henrique Cardoso aderiu à bigamia eleitoral. Em Minas, apoiou, a um só tempo, Azeredo e Hélio Costa. Em São Paulo, posou para fotos ao lado de Mário Covas e Paulo Maluf.


Texto Anterior: Painel
Próximo Texto: Pillar faz novo encontro de Ciro com artistas
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.