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NO PLANALTO
Terrorismo espreita Lula, Alencar e ministros
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O repórter buscava informações sobre cartões de
crédito. Súbito, deu de cara com o
furo jornalístico. O terror amedronta Brasília. Quem informa é
o GSI (Gabinete de Segurança
Institucional) da Presidência.
Aqui se revelou, em 16 de novembro, que o Planalto reservara
R$ 4,8 milhões para despesas com
cartões de crédito corporativos
em 2003. Em carta à Folha, a Casa Civil queixou-se da conclusão
de que havia muito dispêndio e
pouca transparência. Exigiu
"reavaliação".
O raciocínio, diz a carta, poderia "dar margem para que se crie
a falsa impressão de que se gasta
de modo impróprio, o que não
corresponde à marca de seriedade
e transparência que tem caracterizado este governo".
Seduzido pela "transparência"
da gestão petista, o repórter também enviou carta a José Dirceu.
Pediu acesso aos extratos dos cartões de crédito da Presidência.
A resposta veio na quarta-feira.
Em certidão, o secretário de Administração do Planalto, general
Romeu Costa Ribeiro Bastos,
atualizou o montante de despesas. Entre janeiro e outubro de
2003, o Planalto gastou com cartões R$ 5,045 milhões.
Negou-se acesso aos extratos. O
"detalhamento" dos gastos, anotou o general Romeu, constitui
"informação reservada". A divulgação colocaria em risco a "segurança do Estado".
Cioso da fragilidade do Estado,
o repórter pediu, em contato verbal com subordinados de Dirceu,
que lhe fosse fornecida ao menos
uma lista com a discriminação
genérica dos gastos. Nada feito.
Em nota aprovada pelo general
Wellington Fonseca, chefe interino do GSI, alegou-se que "nem sequer valores nominais globais,
discriminados por natureza de
despesas devem ser divulgados".
Diz a nota: "No tocante à segurança presidencial, os assuntos
revestem-se de especial cautela,
pois a simples informação sobre
compra de alimentos poderá aferir o número de pessoas que serão
alimentadas ou o tipo de consumo alimentar capaz de ser atingido por atos de terrorismo".
Também "merecem proteção"
as despesas com locação de veículos, hospedagem e transportes,
porque "dizem respeito à segurança do chefe de Estado, do vice-presidente e respectivos familiares, dos titulares dos órgãos essenciais da Presidência e de outras
autoridades".
Movido por curiosidade descabida, o repórter não se deu conta
da mina que se esconde sob o dinheiro de plástico. Mina de pólvora, bem entendido.
Criado por FHC, o cartão de
crédito governamental experimentou sob Lula um vertiginoso
incremento. Há hoje 106 repartições públicas servindo-se da facilidade.
Só no Planalto, há cerca de 30
cartões. São manuseados por
igual número de funcionários.
Têm licença para gastar. Oito deles, a serviço dos gabinetes de Lula e dos ministros palacianos, respondem por despesas levadas à
contabilidade oficial sob a rubrica "peculiaridades".
Esses oito servidores respondem
por R$ 4,356 milhões dos R$ 5,045
milhões consumidos com cartões
até outubro. O dinheiro pagou de
comida a diárias de hotel. Gastos
secretos, descobre-se agora.
Feitas as contas, restaram R$
689 mil em dispêndios cujo detalhamento não ofereceria munição aos terroristas. Curioso incorrigível, o repórter pediu para ver
os extratos relativos a esse universo. Foi atendido. Numa sala do
Planalto, pôde manusear uma pilha de processos. Pinçaram-se alguns gastos.
Chama-se Maria da Penha Pires a servidora que administra o
cartão de crédito posto à disposição do ministro Luiz Gushiken
(Secom). Paga, por exemplo, despesas com "viagens a serviço".
Gushiken trabalha muito em
São Paulo. Dá duro até nos finais
de semana. Hospedou-se "a serviço" no Caesar Park de 15 a 17 de
agosto (sexta a domingo). Ficou
no mesmo hotel de 22 a 25 de
agosto (sexta a segunda).
Entre 19 e 21 de setembro (sexta
a domingo), preferiu acomodar-se "a serviço" no Hotel Cadoro.
Afora as diárias, consumiu seis
águas, três guaranás, um café, um
chá, um suco de frutas, um almoço completo e um beirute de filé
mignon (R$ 584).
Não foram franqueados ao repórter comprovantes de gastos de
colegas de Gushiken. Entre eles
Dirceu e Luiz Dulci (Secretaria
Geral da Presidência).
Os cartões da Presidência bancam também despesas com a segurança dos filhos de Lula e Marisa. Quatro deles moram em São
Bernardo do Campo. Alugou-se
uma casa na cidade para abrigar
os agentes. Promoveram-se adaptações no imóvel. Coisa barata.
Em 28 de agosto, a firma Casimiro Equipamentos Industriais
recebeu R$ 700 para subir o muro
da casa e instalar portão e grades
de proteção. Dinheiro sacado de
cartão gerido pelo GSI. Em 29 de
setembro, a Casimiro amealhou
mais R$ 330. A nota fiscal menciona, de novo, o muro, o portão e
as grades.
A mesma Casimiro recebeu, em
1º de outubro, um terceiro pagamento -mais R$ 750. A nota fiscal informa que se referem, de novo, ao portão, às grades e ao muro.
Como casa com três portões, camada tripla de grades e muro nas
nuvens é coisa que nem o medo
do terrorismo justifica, é provável
que se tenha fracionado a despesa
para acomodá-la nos limites do
cartão (R$ 800 por compra, no caso do GSI).
Reconheça-se, porque é de justiça, que o grosso dos papéis manuseados tem aparência asséptica. A
despeito de incluírem inúmeras
compras de conveniência duvidosa: biscoitos, chocolates, doces, bolos, brioches, salgados, mussarela,
presunto, cervejas, vasos de violeta e um interminável etc.
É pena que a ameaça terrorista
impeça o acesso aos extratos que
registram as despesas de Lula e de
seu mais seleto grupo de auxiliares. Somam, não é demasiado repetir, R$ 4,356 milhões. Feitos assim, na escuridão própria das coisas secretas, todos esses gastos são
pardos.
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