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JANIO DE FREITAS
Mau conselho
O aprimoramento ético dos
meios de comunicação, o
que tanto se refere a empresas como a jornalistas, é uma necessidade hoje e sempre será uma conveniência. Um modo já experimentado de buscar esse aprimoramento é, entre outros, a criação
de conselhos, comissões ou institutos específicos. Mas o Conselho
Federal de Jornalismo proposto
pelo governo não seria isso.
Não seria também o retorno da
censura, como tantos têm dito. O
propósito é o dirigismo, objetivo e
método mais próximos do sistema aplicado à mídia soviética ao
tempo de Stálin e à mídia alemã
dos anos 30, do que identificado
com a censura boçal do AI-5 e das
ditaduras convencionais. A censura é um dos efeitos do dirigismo, mas não o único nem o principal: o dirigismo busca conduzir
a opinião pública para propósitos
do poder. Pode-se mesmo incluí-lo entre as modalidades de lavagem cerebral.
Uma palavra no projeto do
Conselho Federal de Jornalismo é
bastante para que ele se autodenuncie. Suas atribuições estão assim definidas: "ORIENTAR, disciplinar e fiscalizar o exercício da
profissão de jornalista e da ATIVIDADE DE JORNALISMO".
Orientar só pode ter um sentido:
indicar uma direção a ser seguida, uma linha de ação a ser praticada, um rumo que se sobrepõe à
preferência do sujeito, é induzido.
Um dos pressupostos fundamentais do jornalismo, no entanto, é a
elaboração de suas próprias
orientações -variadas, conflitantes entre os "órgãos" da mídia
e entre os jornalistas. Isso, exatamente isso, é a liberdade de imprensa.
Um dos dirigentes da Federação
Nacional dos Jornalistas, origem
do texto encampado pelo governo, usou na Câmara deste argumento em defesa do projeto: "Um
jornalista que é obrigado a escrever sobre algo que é contra a ética,
porque o patrão determina, não
tem a quem recorrer". Sempre teve e terá a maior das instâncias:
deve recorrer a seus princípios e
demitir-se, e, se não faz, é porque
não tem princípios éticos a defender.
De fora do petismo sindical, outra invocação da defesa dos jornalistas está representada em
carta do advogado Alberto Zacharias Toron à Folha: "Os jornalistas (...) vão ter um órgão que,
além de regular aspectos ético-disciplinares, poderá defendê-los". A defesa dos jornalistas está
assegurada desde sempre, e por
quem tem a competente habilitação para fazê-la: os advogados. E,
de maneira geral, os magistrados
de primeira e de segunda instâncias nos têm julgado com imparcialidade e com profundidade no
exame dos fatos e suas circunstâncias.
Toron acredita, ainda, que o
conselho, representando os jornalistas, poderá, "como a OAB, tomar parte ativa no debate político-institucional". Uma velha e
boa entidade tem vida e história
de muitas décadas no exercício
desse papel. É a Associação Brasileira de Imprensa, a ABI sempre
presente ao lado da OAB nas
grandes causas nacionais e, agora
mesmo, entregando-se a novos
projetos.
A menos que as atribuições de
"disciplinar e fiscalizar" refiram-se a obediência à orientação dada
pelo conselho sobre o quê, como e
quando escrever ou não, tais funções juntam-se a outras de gênero
burocrático (emitir carteira funcional, fazer cadastro, etc.). Para
as quais existem os sindicatos e,
conjugando-os, a Federação Nacional de Jornalistas.
Há questões éticas muito importantes e sempre à espera, nem
se diga que de solução, mas pelo
menos do debate de que sindicatos e a Fenaj são devedores -devedores, não aos jornalistas, mas
ao jornalismo e ao país. Seguem-se uns poucos exemplos.
Legal é, mas é também legítima,
ou não, a filiação de jornalista a
partido político, com a inevitável
submissão a ditames partidários
que tendem a influir, senão mesmo a comprometer, o desempenho jornalístico? A ética admite, e
sob que condicionamentos o faria
ou não, atividades comerciais de
jornalistas em empreendimentos
influenciáveis por sua atividade
jornalística? Pode ou não o jornalista aceitar remuneração oficial
por tarefas que lhe encomende
um personagem de seus assuntos
jornalísticos? E por aí vai.
Questões assim são inalcançáveis por contestações, desmentidos, correções e mesmo por julgamentos judiciais, mas são essenciais para a ética dos meios de comunicação e dos jornalistas. É
claro que são também necessárias
maiores exigências de precisão
informativa e cautela no envolvimento de pessoas. Mas, sejam
quais forem os propósitos originais de seus autores, não é nessa
direção que vão os efeitos esperáveis do Conselho Federal de Jornalismo como o governo o deseja.
Se posto em vigor, por certo vai
gerar um movimento nacional
como há tempos não se vê aqui.
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