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DIPLOMACIA
O embaixador dos EUA John Danilovich elogia política externa "agressiva" de Lula, mas cobra compreensão sobre Iraque
Liderança do Brasil é óbvia, diz americano
ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA
ANDRÉ SOLIANI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O novo embaixador dos EUA
no Brasil, John Danilovich, 54,
não poupou elogios à política externa "agressiva" e "dinâmica" do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante sua primeira entrevista exclusiva no país. "A liderança
do Brasil no mundo é óbvia, existe
e está crescendo com o tempo",
afirmou. "Os EUA vêem com
bons olhos tudo isso. Isso é bom
para o Brasil e bom para os EUA."
Ele deixou claro, no entanto,
que o governo de George Bush espera, senão apoio, pelo menos
compreensão de seus parceiros
em relação à invasão do Iraque.
"O fato é que o Brasil não foi
atacado, os EUA foram. Três mil
brasileiros não foram mortos,
3.000 americanos foram. Isso precisa ser compreendido", disse.
Numa conversa de mais de uma
hora na embaixada, ele mostrou
um caderno de capa verde com o
título manuscrito e meio gasto de
"Brazil". Trata-se de um trabalho
escolar de quando tinha 11 anos.
"Sempre gostei do Brasil."
Danilovich, que não é diplomata de carreira e sim empresário,
assumiu sua primeira embaixada
na Costa Rica, em 2001, por indicação política de Bush. Segundo
ele, "a Alca não morreu, apenas
está tomando fôlego".
Folha - Com poucos dias de Brasil,
o senhor ouviu o presidente Lula
num dia e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso no outro. Que
diferenças o senhor identifica nessas duas visões de mundo?
John Danilovich - O Brasil e os
EUA têm um relação muito robusta e não poderia ser diferente.
O Brasil é uma potência, o maior
país na América do Sul, a maior
população, o maior PIB, tem
fronteira com quase todos os países da região. É um gigante. O presidente Lula é muito agressivo e
muito dinâmico nas suas declarações sobre política externa e nas
iniciativas no cenário internacional. No campo externo, houve
grandes iniciativas da gestão de
Lula, que se engajou em buscar o
livre comércio com a China, com
a União Européia, com a África
do Sul. Os EUA vêem com bons
olhos tudo isso. Isso é bom para o
Brasil e bom para os EUA.
Folha - No debate que o sr. participou com FHC em São Paulo, o especialista em relações internacionais Miguel Diaz disse que a América do Sul e o Brasil estão completamente fora dos radares do governo
americano. É verdade?
Danilovich - Eu fiquei surpreso
ao ouvi-lo dizer aquilo, porque eu
ouvi do presidente da República e
do Secretário de Estado que há
grande interesse na América do
Sul, na sua participação no hemisfério, na democracia, no comércio, na estabilidade.
Folha - No mesmo encontro, FHC
disse que, se o Brasil disputar com
os EUA, vai perder. O sr. concorda?
Danilovich - Eu não lembro como e em que contexto essa declaração foi dada e não sei exatamente em que arena poderia haver
uma disputa assim. O que me
lembro é de uma outra manifestação do presidente Cardoso. [Rindo] Foi quando ele disse: "Nós
não queremos estar no radar dos
EUA, nós queremos estar fora
desse radar. Não queremos que
eles nos olhem, queremos decidir
nossas próprias coisas".
Folha - Que conclusão o sr. tirou
de estar num dia ouvindo Lula defendendo uma guinada do Brasil
dos EUA para a África e para a Ásia
e, no dia seguinte, ouvindo FHC defendendo o oposto, o foco nos EUA?
Danilovich - Não foi exatamente
o oposto. Durante o almoço, depois da fala do presidente Cardoso, alguém me disse: "O sr. é o novo embaixador, só está aqui há algumas horas e já está ouvindo tudo isso, não é provocativo?". Eu
acho que é democracia.
Folha - O subsecretário do Departamento de Agricultura dos EUA,
J.B. Penn, afirmou que o Brasil deveria ser tratado como um país rico
para efeitos de negociação. O Brasil é um país em desenvolvimento
ou desenvolvido?
Danilovich - Essas classificações
de emergentes ou em desenvolvimento são um tanto irrelevantes.
O Brasil é uma potência. É preciso
reconhecer a força do Brasil.
Folha - Inclusive na Alca? Ou a Alca só caminha para trás?
Danilovich - A Alca não está
morta. Neste momento, o Brasil
está muito envolvido nas negociações com a União Européia, mas
isso não significa que não haja
contato entre Brasil e EUA. A negociação está tomando fôlego.
Folha - Numa eventual vitória dos
democratas nas eleições presidenciais, o que mudaria nas relações
com o Brasil e com a região?
Danilovich - Vocês sabem bem
qual é a posição do governo Bush
a favor do livre comércio. A posição de [John] Kerry é provavelmente menos clara. O seu vice-presidente [John Edwards] já foi
bem protecionista. Qual seria a
mudança para a política externa?
Bem, ainda não está claro.
Folha - O senhor recomendaria ao
Brasil apoiar a reeleição de Bush?
Danilovich - Eu acho que vocês
devem votar no Brasil, e eu devo
votar nos EUA.
Folha - O governo e a opinião pública brasileira não apóiam a invasão do Iraque.
Danilovich - Essa é uma decisão
americana, não precisa ser uma
decisão brasileira. Nosso país,
nossa democracia, nossa República haviam sido atacados. O World
Trade Center mudou a relação
dos EUA com a sua segurança. O
Brasil, como outros, deixou muito claro que não se sentia ameaçado, mas nós tomamos uma posição. Se não é possível dar um
apoio total, pode-se, pelo menos,
compreender. A decisão, quem
sabe, causou antipatia e antiamericanismo, mas é uma estratégia
que precisamos seguir para proteger o nosso país.
Folha - Essa foi uma de suas respostas mais longas, mas o senhor
não mencionou a palavra Iraque
nenhuma vez.
Danilovich - Os EUA invadiram
o país por um motivo muito claro,
desde de junho há um governo independente no Iraque e deve haver eleição nos próximos meses.
Folha - As mortes continuam, inclusive de americanos.
Danilovich - Americanos e iraquianos. Mas pessoas também foram mortas no World Trade Center. A percepção é a mesma no governo Bush, no Congresso e na
opinião pública.
Folha - Mas os EUA atacaram o
Iraque sem autorização da ONU.
Danilovich - O fato é que o Brasil
não foi atacado, os EUA foram.
Três mil brasileiros não foram
mortos, 3.000 americanos foram.
Isso precisa ser compreendido. É
preciso saber e compreender que
há uma rede terrorista internacional. Houve atentados e seqüestros
no Reino Unido, na Espanha...
O sucesso do Brasil é o sucesso
dos EUA, e o sucesso dos EUA no
combate ao terrorismo é também
um sucesso do Brasil, apesar de o
Brasil não ter dado suporte aos
EUA nessa matéria.
Folha - E a pretensão do Brasil de
ter um assento permanente no
Conselho de Segurança da ONU?
Danilovich - A liderança do Brasil no mundo é óbvia, existe e está
crescendo com o tempo. A abertura de vagas permanentes faz
parte de uma discussão sobre a
estrutura e o funcionamento da
ONU em geral, na qual a inclusão
do Brasil está inserida. Há outros
países que também desejam um
assento permanente. Isso é um
longo processo, mas a condição
de líder do Brasil, esteja ou não no
Conselho de Segurança, é óbvia.
Folha - A posição brasileira contrária à invasão do Iraque feriu suscetibilidades, deixou mágoas e seqüelas?
Danilovich - Não concordo com
essas expressões, de suscetibilidade, de mágoa. Não creio que sejam adequadas. Os países têm
suas políticas. Os EUA têm a sua,
o Brasil tem a dele, o Reino Unido
também tem. É muito bom ter
apoio. Gosto do Brasil e espero
que vocês gostem dos EUA. Vocês
podem é não gostar de nossas políticas. No mais, é importante
manter conversações na base de
multilateralismo, livre comércio.
Folha - Neste domingo, haverá
um...
Danilovich - ...referendo. Democracia em ação...
Folha - Pois é, na Venezuela. Setores do país temem que a vitória
do presidente Hugo Chávez, apontada pelas pesquisas, possa reforçar a chamada esquerda do continente, com Lula, Néstor Kirchner
(Argentina) e Chávez?
Danilovich - Citar Lula, Kirchner
e Chávez juntos não convém a nenhum desses três cavalheiros. E é
preciso dizer que Lula e o governo
brasileiro têm sido muito operativos ao promover estabilidade e
democracia no hemisfério.
Folha - E quanto ao presidente
Chávez?
Danilovich - Quanto ao referendo? Bem, democracia fala mais alto. Vamos ver o que vai acontecer.
O mais importante é que eleições
livres sejam garantidas, que o resultado seja respeitado pelo povo
venezuelano e que a Venezuela tenha uma democracia forte e livre.
Folha - Os EUA são acusados de
colaborarem com o oposição que liderou o golpe de 2002 contra Chávez. Os EUA torcem para algum resultado no domingo.
Danilovich - Sim, nós apoiamos o
resultado da democracia. EUA
são acusados de muitas coisas,
mas acho que de uma coisa não
podem ser acusados -de serem
antidemocráticos. Nós damos suporte à democracia dentro do
nosso próprio país, no hemisfério
e no próprio mundo.
Folha - Há setores do governo Lula insatisfeitos com o tratamento a
cidadãos brasileiros que vivem ilegalmente no país. O que fazer?
Danilovich - É preciso fazer uma
distinção entre esses poucos e coitados migrantes que até morrem e
os milhares e milhares de brasileiros que vivem nos EUA. Imigração nos EUA não é um assunto fácil e foi complicado ainda mais
depois do 11 de Setembro. A fronteira com o México é um problema e o contingente brasileiro é o
segundo maior a atravessar aquela fronteira ilegalmente. É um ato
ilegal, um ato criminoso. É uma
realidade lamentável, mas, infelizmente, nós precisamos defender
as nossas fronteiras.
Folha - O governo brasileiro tem
manifestado insatisfação?
Danilovich - Descortesia, seja
com imigrantes legais ou ilegais, é
inadmissível.
Folha - Quanto às restrições para
a entrada de turistas brasileiros legalmente?
Danilovich - O governo americano vem trabalhando para diminuir essas restrições mais e mais,
mas é um duro processo, porque,
como vocês sabem, todos os responsáveis pelos atentados tinham
vistos regulares. É uma situação
que não pode mais ocorrer.
Folha - E quanto às restrições impostas no Brasil a turistas americanos recentemente?
Danilovich - Houve incidentes
com alguns cidadãos americanos,
mas logo no início daqueles procedimentos. Não se ouve mais falar nisso, o que é uma boa coisa.
Folha - Os EUA acabam de impor
barreiras temporárias à importação de camarão do Brasil. Serão
suspensas?
Danilovich - No momento, o
processo ainda não foi concluído
e está em análise. Uma decisão final só será tomada em dezembro.
Folha - O Brasil conseguiu um parecer da OMC contrário aos subsídios americanos ao algodão. Os
EUA irão eliminá-los?
Danilovich - Os casos do algodão
e do açúcar estão em processo de
apelação [na OMC]. Eu sei que
decisões da OMC dificilmente são
mudadas durante a apelação, mas
o processo de revisão esclarece a
situação. Os dois lados concordam que negociações são melhores que disputas.
Folha - Os EUA seguirão a recomendação da OMC?
Danilovich - Os EUA sempre foram a favor da eliminação de barreiras ao comércio. Não é apenas
o fim dos subsídios ao algodão
que fará com que o livre comércio
funcione. Na última reunião em
Genebra da OMC, os países concordaram que os subsídios deveriam cair. Mas isso não pode ser
uma decisão unilateral, depende
de um compromisso de todos.
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