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JANIO DE FREITAS
O espanto
O espanto, dentro e fora do
PT, com certas escolhas para
o futuro ministério está incomodando Luiz Inácio Lula da
Silva. Sua repentina afirmação
de que "não haverá política deste ou daquele ministério, o que
haverá será política de governo" não foge à regra das declarações de presidentes eleitos,
nem responde ou atenua os espantos. Apenas confirma o incômodo.
Por mais que a escolha de três
empresários integrados à campanha de José Serra se justificasse pela habilitação dos escolhidos, pelo menos dois argumentos justificam o espanto. De
uma parte, há inúmeras pessoas reconhecidas pela consenso
como habilitadas para os ministérios do Desenvolvimento e
da Agricultura e para a presidência do Banco Central. Entre
as inúmeras, muitas no empresariado têm passado e presente
menos conflitantes com as
idéias e aspirações que o eleitorado manifestou ao consagrar
Lula. Foram preteridas.
De outra parte, a ideologia do
"mercado" e os interesses por
ela expressos não acabaram
porque acaba o governo de Fernando Henrique Cardoso. Embora a adesão à candidatura de
Serra não traduzisse, necessariamente, posição neoliberal e
mercadista, por certo exprimia
discordâncias importantes com
as propostas de Lula, ainda
mais no caso de grandes empresários. E, a menos que os escolhidos não tenham a qualidade
pessoal que os escolhidos devem
ter e se tornem dóceis em troca
do cargo, as discordâncias terão
reflexos na prática e no interior
do governo.
A primeira, aliás, já insinuada, no grave tema da Área de
Livre Comércio das Américas, a
Alca desejada pelos Estados
Unidos. Ambos antecipando-se
ao governo Lula, o futuro ministro da Agricultura, Roberto
Rodrigues, em sua primeira entrevista de confirmado defendeu a "rápida criação" da Alca,
e o ministro do Desenvolvimento, também na primeira entrevista, se disse "sem preconceito"
em relação ao desejo americano. Um e outro com a inexpressiva ressalva "desde que o Brasil
ganhe", ou coisa que o valha,
como se os Estados Unidos fizessem tamanho projeto para perder em benefício dos latino-americanos. O que importa na
citação: a posição dos dois ministros reflete a sua concepção
de exportadores, mas, se não
mudou nos últimos dias, a visão
do programa de Lula e do PT
sobre a Alca é outra, para não
dizer oposta mesmo.
O desconforto da cúpula petista com o espanto por algumas de suas escolhas demonstra-se, também, por José Dirceu:
"Precisamos da parceria com o
empresariado, porque sem ela
não vamos sair da crise". Primeiro: nenhum dos espantados
se manifestou contra parceria
com empresários. Segundo: parceria maior que a do governo
Fernando Henrique com o empresariado é impossível, e, no
entanto, o PT está recebendo
um país em crise, segundo Dirceu. Terceiro: o que tira um país
de crise não é a presença ou a
ausência de empresários no ministério, são políticas inteligentes e eficazes de governo.
O argumento final de Dirceu:
"Não podemos ter um governo
de um partido só ou só de esquerda, porque isso não vai ajudar o Brasil". É uma apelação
sem a mínima seriedade, o que
é lamentável. Exceto a senadora Heloísa Helena, que não conta muito a não ser no painel do
Senado, os espantados de hoje
aceitaram e entenderam sem
espanto as infindáveis concessões doutrinárias e políticas do
candidato e do eleito Lula. Mas
têm direito e razão de achar que
pragmatismo demais é perigoso: acaba passando de pragmatismo a outra coisa.
Em política e em governo são
necessárias concessões. Mas
quando necessárias. Como fatores de negociação. Antecipá-las
é aumentar o tamanho das concessões futuras. E um jogo sem
volta.
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