São Paulo, domingo, 16 de maio de 2004 |
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IMAGEM EXTERNA Para ex-embaixador dos EUA no país, faltou "inteligência" a governo no caso "NYT" e recusa a inspeções "não convence" Lula é lento para gerir crise, diz americano
RAFAEL CARIELLO Folha - O que o sr. achou da decisão tomada no início da semana de expulsar o jornalista do "New York Times"? Lincoln Gordon - Foi muito pouco inteligente. É o tipo de coisa que acontece em países não-democráticos. Parece-me que a última coisa de que Lula gostaria é ser identificado com regimes ditatoriais. Talvez tenha sido uma decisão emocional, tomada apressadamente. Tratava-se de um artigo tolo [o feito pelo correspondente Larry Rohter]. Ignorá-lo seria a solução correta. Folha - Há alguma relação entre esse tipo de reação e outro evento recente, o das inspeções nucleares que foram limitadas em Resende? Gordon - Esse é um caso diferente, muito mais sério. Essa sim foi uma concessão a um tipo ultrapassado de nacionalismo. Qualquer um que entende de armas nucleares vai entender esse gesto do governo como muito pouco perspicaz. Eu não vejo a possibilidade de alguém ameaçar o Brasil com armas nucleares, e construi-las não seria uma boa maneira de dissuadi-los. Folha - Mas o governo diz que não está construindo armas, apenas usando o urânio enriquecido para gerar energia. Gordon - Essa é uma declaração que não convence. Há excedente de combustível nuclear no mundo, não há perspectiva de o Brasil ter problemas para consegui-lo e fazer aquelas usinas de Angra funcionarem. Além do que, um monte de dinheiro foi jogado lá, elas [as usinas] são antieconômicas, e com o Brasil fazendo descobertas quase todo mês de novas reservas de petróleo, todo o movimento em favor da energia atômica para geração de energia elétrica parece ser prematuro. Folha - Sua impressão geral sobre o governo do presidente Lula mudou desde a posse? Gordon - Sim. Estou decepcionado. As indicações de [Henrique] Meirelles [presidente do Banco Central] e [Antonio] Palocci [ministro da Fazenda], do ponto de vista dos Estados Unidos e de vários países do Primeiro Mundo, foram bastante tranqüilizadoras e tiveram o efeito desejado no curto prazo dos mercados e no longo prazo da política. Não que eu fizesse tudo exatamente como eles. Mas aí vieram as indicações políticas. Fiquei desapontado com o que me parece um retorno a um antigo vício brasileiro, para o qual vocês têm uma boa palavra, o "empreguismo". É claro que há uma aliança complicada no Congresso, e muitas dessas indicações foram para agradar os aliados. Isso em parte é culpa do excesso de partidos no Brasil. Folha - Mesmo assim o senhor esperava que Lula agisse de maneira diferente? Gordon - Algum empreguismo e algum fisiologismo são inevitáveis enquanto a estrutura política do país permanecer a mesma, mas me parece terem ido longe demais, e exageradamente. E, além disso, sem conseguirem manter a disciplina. Alguns membros do ministério de Lula fazem comentários, sobre política externa, por exemplo, que não fazem parte de sua área de atuação. Nos primeiros meses, é possível compreender alguma confusão, afinal, é a primeira vez que Lula e o PT chegam ao poder. Mas, aparentemente, Lula foi lento para ter o domínio da situação em alguns aspectos. O primeiro grande programa anunciado, o Fome Zero, como se fosse uma grande novidade, me pareceu bem estranho. Há alguma fome no Brasil, mas não é um problema central como é para alguns países africanos. E a idéia de subsidiar famílias para manter suas crianças na escola já era uma ótima parte da administração de Fernando Henrique Cardoso [1995-2002]. Não achava que o Fome Zero acrescentasse muito. E não ouvi muito mais sobre o programa nos últimos seis meses. Parece ter desaparecido de cena. [Isso vindo] de um partido que lutou tanto tempo para chegar ao poder e teve um bom tempo entre outubro de 2002 e a posse. Texto Anterior: Ecos ditadura: Gabeira vê caso Rohter como sinal de "regressão intelectual" do PT Próximo Texto: Frase Índice |
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