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O que é preciso reformar no Judiciário?
Carlos Velloso - O problema maior, que atormenta aqueles
que precisam da Justiça, é a demora na prestação jurisdicional.
Esse não é um problema só brasileiro, mas parece que aqui ele é
maior, o que muitas vezes torna a
prestação jurisdicional ineficaz.
As principais causas são uma legislação processual extremamente formalista e um sistema de recursos irracional. A sentença que
decreta o despejo de um botequim chega ao Superior Tribunal
de Justiça e ao Supremo Tribunal
Federal. Isso é irracional.
Na Califórnia, o juiz tem 90 dias
para decidir uma demanda na
primeira instância, senão perde o
salário. Nós temos um processo
que na realidade representa a intelectualização da burocracia judiciária. Temos de dar a ele esse
sentido prático.
Em segundo lugar, devemos racionalizar o sistema de recursos.
Acho também que os tribunais
superiores, sobretudo o STF, existem para julgar as questões que
têm relevância social, que interessam a milhões de pessoas, não a
meia dúzia. A arguição de relevância é fundamental, porque evita que a sentença do despejo do
botequim chegue lá.
Sérgio Renault - Na opinião do governo, a verdadeira reforma do Poder Judiciário depende de uma série de medidas. O
problema maior é a demora. Não
há uma solução mágica.
Defendemos três blocos de medidas. O primeiro refere-se à modernização da gestão. Muito pode
ser feito para melhorar o funcionamento da máquina da Justiça a
partir de iniciativas que independem de alterações legislativas.
Estamos identificando essas iniciativas, ainda esparsas, como os
juizados especiais federais que
funcionam basicamente sem papel. Neles os documentos são escaneados e devolvidos às pessoas,
e os resultados são relevantes.
O Poder Judiciário tornou-se
obsoleto e agora temos de correr
atrás do prejuízo. Temos dito que
ele precisa chegar ao século 21.
No segundo grupo de medidas
está a necessidade de alterar a legislação infraconstitucional para
simplificar o sistema de recursos.
Essa questão parece quase consensual no meio jurídico. Vamos
propor ao Congresso um projeto
que institua meios alternativos de
solução de conflitos.
A ineficiência do Judiciário tem
uma utilidade. Ela serve aos maus
pagadores, àqueles que não querem cumprir a sua obrigação e,
muitas vezes, à própria administração pública, federal, estadual e
municipal. Os governos são os
maiores clientes do Judiciário:
80% dos processos que estão nos
tribunais superiores os envolvem.
Não é possível que o Estado utilize o Judiciário como se ele fosse
uma empresa privada, fazendo
com que a ineficiência dele o ajude a "empurrar com a barriga"
[suas obrigações].
O terceiro bloco de medidas é de
alterações constitucionais. Essa
reforma não vai resolver os problemas do Judiciário relacionados
à lentidão, mas pode dar maior
racionalidade ao sistema e maior
democratização interna.
Luiz Antonio Guimarães Marrey - Acho imperiosa a criação de um órgão de fiscalização externa do Judiciário e
do Ministério Público. Toda instituição pública tem obrigação de
prestar contas à população. No
projeto que tramita no Senado, há
outras normas salutares, relativas
à quarentena dos juízes e à proibição de nepotismo.
Também questiono o sigilo de
apurações de atos de juízes e
membros do Ministério Público,
que hoje são inacessíveis até para
quem pediu as providências. Isso
dá a impressão à população de
um corporativismo extremamente danoso, embora a maioria de
juízes e de promotores sejam sérios e trabalhadores.
É necessário também transformar o STF em corte constitucional e permitir que esse tribunal escolha os processos que serão merecedores da sua orientação. É
impossível um Supremo Tribunal
sufocado de matéria absolutamente repetitiva. Significa jogar
dinheiro público na lata de lixo.
O resultado dessa situação é
uma Justiça que, apesar do esforço de milhares de juízes, promotores e advogados, entrega um resultado às vezes desigual. Não estou dizendo necessariamente que
há visão parcial de quem julga.
Acho necessária a punição contra o recurso manifestamente
procrastinatório, pelo menos a
súmula impeditiva de recurso.
Eu sugiro ainda a possibilidade
de o Ministério Público e a outra
parte fazerem acordo em matéria
penal em maior número de casos.
Não serão acordos espúrios, porque serão feitos à luz do dia, com
homologação judicial e vantagem
para ambas as partes.
Ives Gandra Martins -Temos quatro problemas fundamentais, que praticamente inviabilizam a Justiça: excesso de instâncias, excesso de recursos processuais, escassez de recursos materiais e escassez de magistrados.
A rigor, nesse sistema qualquer
bom advogado leva uma questão
ao STF. Isso é uma elitização da
Justiça, porque quem tem advogados recém-formados ou não
dispõe de recursos termina não
tendo essa possibilidade.
Estou convencido de que, além
da súmula vinculante, seria importante adotar o efeito vinculante das decisões do STF.
Tenho muito receio dos controles externos. Quando se fala na
existência deles em países europeus, as referências são a sistemas
parlamentares, em que a independência e a autonomia dos Poderes não são tão nítidas.
No Brasil, temos um juiz preso e
vários elementos do Ministério da
Justiça (policiais federais). Se tivermos de admitir o controle externo do Judiciário, teríamos de
admiti-lo também para o Ministério Público, o Ministério da Justiça e o Ministério da Fazenda, porque sabemos que há excelentes
policiais e fiscais, mas também há
corrupção e nepotismo em todos
os Poderes.
As corregedorias não funcionam bem. Precisamos melhorá-las. No Judiciário, talvez o Conselho Nacional de Justiça, da forma
como foi idealizado, seja o ideal.
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