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CÂMARA OCULTA
Partidos fazem acordo com presidentes de órgãos técnicos para se apropriar de CNEs, que os auxiliam em tarefas partidárias
Câmara desvia cargos especiais de comissões
RUBENS VALENTE
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA
EDUARDO SCOLESE
JAIRO MARQUES
DA AGÊNCIA FOLHA
As 19 comissões permanentes
da Câmara dos Deputados são
consideradas o pulmão da Casa.
Elas produzem todo ano centenas
de relatórios temáticos, identificando problemas e apontando
possíveis soluções, além de promover audiências com autoridades e entidades setoriais.
Para esses fins, a Câmara mantém uma estrutura própria para
as comissões. São cerca de 210 servidores do quadro efetivo e 175
ocupantes de CNEs (Cargos de
Natureza Especial), cargos vips,
com salários que variam de R$
1.680 a R$ 7.428. Criados em data
que nem o atual presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP),
sabe dizer com exatidão, esses
cargos chegavam, até a semana
passada, a 1.960 (com 1.795 nomeações na atual gestão), ao custo
estimado anual de R$ 97 milhões.
Na teoria, os CNEs das comissões seriam quadros de alta especialidade, experts cuja palavra poderia auxiliar a Casa a melhorar o
país. Na prática, contudo, são desviados para atender interesses políticos de deputados e líderes partidários. Eles têm se apropriado
desses cargos para cumprimento
de tarefas partidárias em redutos
eleitorais em diversos Estados e
no Distrito Federal.
Levantamento feito pela reportagem nas comissões, a partir de
uma lista elaborada com base na
leitura dos 140 boletins administrativos da Casa editados na gestão do deputado João Paulo, identificou que pelo menos 102 ocupantes de Cargos de Natureza Especial (cerca de 58% do total) estão trabalhando fora das comissões, recebendo ordens diretas de
líderes e parlamentares muitas
vezes nem sequer ligados a elas.
No último domingo, a Folha já
havia revelado que ocupantes
desses cargos também estão sendo desviados de suas funções para
desenvolver trabalho político nas
bases dos deputados que integram a Mesa Diretora da Câmara,
incluindo o atual presidente.
Fora de Brasília
Nomeados para trabalhar nas
comissões, em Brasília, CNEs foram localizados nos seguintes Estados: Ceará, Mato Grosso do Sul,
Paraná, Pernambuco, Rio Grande
do Sul, Santa Catarina e São Paulo. Presidentes das comissões
confirmaram que parte dos cargos "não lhes pertence", mas, sim,
aos partidos.
"O líder [do PMDB] bloqueou
tantos cargos de cada comissão e
mandou colocar a serviço da liderança. Portanto esses cargos foram colocados na liderança", disse o deputado Gastão Vieira
(PMDB-MA), presidente da Comissão de Educação e Cultura,
que "perdeu" para o partido três
CNEs de sua comissão.
O deputado -que disse não
querer entrar em atrito com o líder, mas que não poderia deixar
"de falar a verdade"- explicou
que os cargos foram bloqueados
porque algumas bancadas encolheram nas últimas eleições. Os
cargos de CNEs das lideranças são
calculados com base no número
de deputados eleitos.
"As lideranças, pelo menos as
do meu partido, pediram que as
comissões compensassem esses
cargos que haviam sido perdidos
pelas lideranças", disse Vieira.
Um dos CNEs indicados pelo líder do PMDB, Eunício Oliveira
(CE), é justamente seu cunhado,
José Maria de Almeida Sousa, localizado pelo telefone na cidade
cearense de Lavras da Mangabeira (leia texto abaixo). "Sou do Maranhão, não tenho por que ter um
CNE no Ceará", admitiu Vieira,
ao saber do destino de um vip lotado em sua comissão.
"Três CNEs são do partido e estão com deputados indicados pelo partido. Eles se responsabilizam por esses servidores", declarou Eliseu Resende (PFL-MG),
presidente da Comissão de Finanças e Tributação, que ficou com
apenas dois CNEs.
"Recebi um pedido do líder do
meu partido e do colega [deputado] Alceu Collares e prontamente
atendi. Eles assumem a responsabilidade por esses servidores",
confirmou o deputado Enio Bacci
(PDT-RS), que disse ter cedido ao
partido 4 ocupantes de CNEs, dos
12 lotados na Comissão de Direitos Humanos.
De acordo com o ato da Mesa
número 45, de 1996, os CNEs lotados nas comissões têm funções
específicas administrativas. O assistente técnico de comissão, por
exemplo, tem como obrigação
principal, de um total de oito,
"preparar notas técnicas para divulgação das atividades desenvolvidas pela comissão".
No dia-a-dia do Congresso, porém, todo tipo de profissional é
comissionado como CNE, como
revela a deputada Zulaiê Cobra
(PSDB-SP), que nomeou seu motorista na comissão que preside, a
de Relações Exteriores. "Atualmente ele está em Florianópolis,
por causa de um problema na família, mas estou providenciando
sua residência em Brasília", informou a deputada.
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