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São Paulo, domingo, 17 de agosto de 2003

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CÂMARA OCULTA

Partidos fazem acordo com presidentes de órgãos técnicos para se apropriar de CNEs, que os auxiliam em tarefas partidárias

Câmara desvia cargos especiais de comissões

RUBENS VALENTE
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

EDUARDO SCOLESE
JAIRO MARQUES
DA AGÊNCIA FOLHA

As 19 comissões permanentes da Câmara dos Deputados são consideradas o pulmão da Casa. Elas produzem todo ano centenas de relatórios temáticos, identificando problemas e apontando possíveis soluções, além de promover audiências com autoridades e entidades setoriais.
Para esses fins, a Câmara mantém uma estrutura própria para as comissões. São cerca de 210 servidores do quadro efetivo e 175 ocupantes de CNEs (Cargos de Natureza Especial), cargos vips, com salários que variam de R$ 1.680 a R$ 7.428. Criados em data que nem o atual presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), sabe dizer com exatidão, esses cargos chegavam, até a semana passada, a 1.960 (com 1.795 nomeações na atual gestão), ao custo estimado anual de R$ 97 milhões.
Na teoria, os CNEs das comissões seriam quadros de alta especialidade, experts cuja palavra poderia auxiliar a Casa a melhorar o país. Na prática, contudo, são desviados para atender interesses políticos de deputados e líderes partidários. Eles têm se apropriado desses cargos para cumprimento de tarefas partidárias em redutos eleitorais em diversos Estados e no Distrito Federal.
Levantamento feito pela reportagem nas comissões, a partir de uma lista elaborada com base na leitura dos 140 boletins administrativos da Casa editados na gestão do deputado João Paulo, identificou que pelo menos 102 ocupantes de Cargos de Natureza Especial (cerca de 58% do total) estão trabalhando fora das comissões, recebendo ordens diretas de líderes e parlamentares muitas vezes nem sequer ligados a elas.
No último domingo, a Folha já havia revelado que ocupantes desses cargos também estão sendo desviados de suas funções para desenvolver trabalho político nas bases dos deputados que integram a Mesa Diretora da Câmara, incluindo o atual presidente.

Fora de Brasília
Nomeados para trabalhar nas comissões, em Brasília, CNEs foram localizados nos seguintes Estados: Ceará, Mato Grosso do Sul, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo. Presidentes das comissões confirmaram que parte dos cargos "não lhes pertence", mas, sim, aos partidos.
"O líder [do PMDB] bloqueou tantos cargos de cada comissão e mandou colocar a serviço da liderança. Portanto esses cargos foram colocados na liderança", disse o deputado Gastão Vieira (PMDB-MA), presidente da Comissão de Educação e Cultura, que "perdeu" para o partido três CNEs de sua comissão.
O deputado -que disse não querer entrar em atrito com o líder, mas que não poderia deixar "de falar a verdade"- explicou que os cargos foram bloqueados porque algumas bancadas encolheram nas últimas eleições. Os cargos de CNEs das lideranças são calculados com base no número de deputados eleitos.
"As lideranças, pelo menos as do meu partido, pediram que as comissões compensassem esses cargos que haviam sido perdidos pelas lideranças", disse Vieira.
Um dos CNEs indicados pelo líder do PMDB, Eunício Oliveira (CE), é justamente seu cunhado, José Maria de Almeida Sousa, localizado pelo telefone na cidade cearense de Lavras da Mangabeira (leia texto abaixo). "Sou do Maranhão, não tenho por que ter um CNE no Ceará", admitiu Vieira, ao saber do destino de um vip lotado em sua comissão.
"Três CNEs são do partido e estão com deputados indicados pelo partido. Eles se responsabilizam por esses servidores", declarou Eliseu Resende (PFL-MG), presidente da Comissão de Finanças e Tributação, que ficou com apenas dois CNEs.
"Recebi um pedido do líder do meu partido e do colega [deputado] Alceu Collares e prontamente atendi. Eles assumem a responsabilidade por esses servidores", confirmou o deputado Enio Bacci (PDT-RS), que disse ter cedido ao partido 4 ocupantes de CNEs, dos 12 lotados na Comissão de Direitos Humanos.
De acordo com o ato da Mesa número 45, de 1996, os CNEs lotados nas comissões têm funções específicas administrativas. O assistente técnico de comissão, por exemplo, tem como obrigação principal, de um total de oito, "preparar notas técnicas para divulgação das atividades desenvolvidas pela comissão".
No dia-a-dia do Congresso, porém, todo tipo de profissional é comissionado como CNE, como revela a deputada Zulaiê Cobra (PSDB-SP), que nomeou seu motorista na comissão que preside, a de Relações Exteriores. "Atualmente ele está em Florianópolis, por causa de um problema na família, mas estou providenciando sua residência em Brasília", informou a deputada.



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