São Paulo, domingo, 17 de agosto de 2003 |
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INTELIGÊNCIA RURAL Formação de novos líderes urbanos inclui experiência em acampamentos para ganhar know-how do MST Sem-teto fazem "estágio" com sem-terra
RAFAEL CARIELLO DA REPORTAGEM LOCAL GABRIELA ATHIAS DA SUCURSAL DE BRASÍLIA Tatiana conta que em meados do ano 2000 tomou um ônibus em companhia de outros jovens ligados a movimentos sociais urbanos para visitar um acampamento do MST em Porto Feliz (a 110 km da capital paulista). "Chegamos no momento em que o acampamento estava sendo levantado", lembra. A viagem de duas horas fazia parte do curso de formação das futuras lideranças dos sem-teto. O ônibus havia sido alugado pela CMP (Central de Movimentos Populares), organizadora da série de palestras que, desde 97, ocorrem mensalmente pelo período de um ano para formar líderes dos sem-teto e de outras entidades sociais urbanas. Além das aulas, integram a formação dos cerca de 50 "alunos" anuais -vindos de todo o Estado de São Paulo- as visitas a acampamentos e assentamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. O objetivo é ganhar "ânimo de luta" e know-how de organização com os sem-terra. Na turma de Tatiana de Oliveira Cruz Barbosa, 25, foram duas visitas, uma no meio do ano e outra ao final do curso. Na primeira, os futuros líderes sem-teto, conta Tatiana, foram recebidos com um café-da-manhã e uma "análise de conjuntura" feita pelo líder do MST Gilmar Mauro. Após o término da formação, ela e outros colegas voltaram a passar temporadas em acampamentos e assentamentos. Três anos depois, Tatiana faz parte do grupo de 12 membros da coordenação do MMC (Movimento de Moradia do Centro), uma das mais antigas organizações de sem-teto em São Paulo e uma das duzentas ligadas à CMP. A Central de Movimentos Populares existe há dez anos. "É uma espécie de "guarda-chuva", o equivalente à CUT [Central Única dos Trabalhadores] em relação aos movimentos sociais urbanos", diz Maria das Graças Xavier, 37, da coordenação executiva da CMP. Graça, como é conhecida, é também uma das coordenadoras da UMM (União dos Movimentos de Moradia), filiada à CMP e da qual faz parte o MMC. Auto-estima O curso, ela diz, serve para dar "auto-estima" aos jovens militantes urbanos e formá-los politicamente. Nas visitas aos acampamentos, "as lideranças do MST explicam como foi feita a ocupação, o processo de negociação e como fazem para sobreviver". Eduardo Cardoso, 30, liderança do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto -entidade que liderou a invasão ao terreno da Volkswagen em São Bernardo do Campo (ABC paulista)-, afirma que jovens do MTST também realizam visitas e aprendem com os sem-terra. A entidade não é associada à CMP, embora Cardoso atue em ambas. Segundo João Paulo Rodrigues, dirigente nacional do MST, os sem-terra e os sem-teto não têm um acordo "institucional". As estadas de sem-teto nos acampamentos rurais são negociadas por lideranças locais, ele diz. O curso "Assisti palestras do [advogado e ex-deputado constituinte pelo PT] Plínio de Arruda Sampaio, do [líder do MST João Pedro] Stedile, do [jornalista] José Arbex [Jr.]", declara Tatiana, sobre o curso de formação dos sem-teto. Ao descrever as palestras, Graça diz que os jovens líderes "discutem tudo": "Dívida externa, processo de globalização, Alca, como funciona o poder público e o papel dos movimentos populares". No contato com os sem-terra, segundo Tatiana, os sem-teto "aprendem a ter orgulho da luta". Na cidade, ela diz, "com a pressão maior da mídia, muitos sentem vergonha de fazer parte de um movimento". Embora "vergonha maior", defende, seja "pensar apenas em si próprio, como o capitalismo propõe". Terminado o curso, a líder sem-teto passou "alguns finais de semana em vários acampamentos e assentamentos". Em seguida, ela diz, dois meses acompanhando a atuação dos sem-terra em Mauá (SP), "num grupo que fazia trabalho de base, captando pessoas para levar para o campo". Além de fazer parte da liderança da entidade, Tatiana hoje dá aulas de reforço escolar e de política para as crianças filhas de integrantes do Movimento de Moradia do Centro. Ensina as crianças a evitarem a palavra "invasão", substituindo-a por "ocupação". "Muitos pais não têm consciência política", afirma. Texto Anterior: Elio Gaspari Próximo Texto: Frases Índice |
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